sábado, 16 de julho de 2016

Maternidade instintiva e os primeiros tempos de vida

Há dias folheei uma revista sobre gravidez em que um dos artigos falava dos muitos itens supostamente essenciais a comprar quando nos preparamos para ter um filho. De algumas das inutilidades destacadas por esse artigo e vários outros do género aquela que me chama sempre mais a atenção são os aparelhos de intercomunicação, que servem para que o bebé possa ficar sozinho numa divisão e os pais possam ir ouvindo o que se passa. A mim estes aparelhos confesso que me despoletam uma espécie de ódiozinho de estimação porque acredito que simbolizam de certa forma uma grande parte de tudo aquilo que está errado na nossa forma de viver a maternidade hoje em dia. 

Esses aparelhinhos, que já variam muito no seu grau de sofisticação, demonstram que o instinto de qualquer mãe é querer saber o que se passa com o seu bebé a qualquer hora. Demonstram que o instinto de qualquer mãe é saber que os bebés não são criaturas que devam ficar sozinhas em divisões à parte, onde não podemos vê-las e nem sequer ouvi-las facilmente. O problema é que nos achamos muito espertos e racionais, então, em vez de darmos ouvidos a esse instinto inventamos um aparelho qualquer que o substitua. 

E quando começamos a querer substituir o instinto pela razão, neste caso, a tendência é para que toda uma série de outros problemas venham atrás. Porque a maternidade não é racional, não pode nem deve ser racional. Quem no seu juízo perfeito escolheria gerar e cuidar de um bebé, com tudo o que isso implica, se fosse apenas uma escolha racional?! A maternidade é das coisas mais instintivas que existem e é assim que deve ser e, para a vivermos de forma feliz, leve e descontraída é mesmo ao instinto e às emoções que precisamos, mais do que nunca, de estar ligados porque a razão por si só nunca nos dará aquilo de que precisamos, sobretudo nos primeiros meses de vida dos nossos filhos. 

E porque o bebé também tem o seu instinto, que lhe diz que também deverá fazer todos os possíveis para se manter perto dos pais, que lhe diz que é perigoso e inseguro estar sozinho. Porque o bebé ainda não consegue racionalizar, para nós, adultos, é possível pensar que o instinto não está certo porque um bebé pequeno fechado num quarto de uma casa qualquer num berço com grades e todo o conforto e segurança material está livre de qualquer perigo. Mas o bebé ainda só tem o instinto para o guiar, não tem essa possibilidade de racionalizar e saber que o perigo não é real por isso a tendência será para seguir o seu instinto e protestar contra esse abandono sentido. E quando isto acontece muitos supostos especialistas dizem-nos que devemos acalmar o bebé, sim (felizmente já vão sendo menos os que dizem que se deve apenas deixá-lo chorar até se cansar) mas sem lhe pegar ou sem o tirar o quarto, que seria justamente o que ele precisaria. E aqui entramos num terreno que chega a ser quase ridículo em que esperamos que um bebé de meses seja capaz de perceber e de racionalizar que os seus pais estão por perto mas não lhe pegam e não lhe dão o conforto de que precisa porque sabem que ele está seguro e que o perigo que o seu instinto lhe diz que pode existir não é real. E como é que é possível que acreditemos que um bebé pode compreender isto? A única coisa que acontece nestes casos é que o bebé vai deixando também de manifestar o seu instinto e, talvez pior, vai deixando de confiar nele. 

Algumas pessoas defendem que é indiferente que um bebé durma sozinho ou acompanhado desde que os pais respondam quando ele chora e desde que isto esteja de acordo com as suas convicções e escolhas de vida. Na verdade, não acredito nisto. Não acredito que seja benéfico para um bebé de meses dormir sozinho e, mais, não acredito que isto tenha algum benefício para a mãe. Acredito que uma mãe que não quer dormir com o seu bebé é uma mãe que tem medo, medo de estar a fazer algo de errado e de vir a ser criticada, medo de prejudicar o bebé, medo de lhe fazer mal  e, acima de tudo, medo de confiar no seu próprio instinto. 

Porque o instinto de mãe mostra claramente que, nos primeiros meses de maternidade, o mais importante é mantermos-nos perto do bebé. A ciência demonstra que um bebé que está em contacto com o corpo da mãe regula mais facilmente os seus batimentos cardíacos, o ritmo respiratório, a temperatura e, ao que parece até o próprio desenvolvimento cerebral e do sistema nervoso podem aprender com esta espécie de quase fusão com o organismo mais maduro da mãe que o vai influenciando nos seus próprios ritmos. 

O cortisol e o sono nos bebés 


Uma das grandes queixas das mães é o facto dos bebés nascerem muitas vezes com o que se chama sonos trocados. Muitos bebés dormem o dia inteiro e à noite estão despertos e prontos para a brincadeira coisa que leva muitos pais ao desespero. Hoje sabemos que uma das hormonas que tem um papel importante nos ritmos de sono é o cortisol - que também está ligado à resposta de stress. Quando estamos num sono profundo, à noite, os nossos níveis de cortisol estão no seu valor mais baixo e, à medida que nos vamos preparando para despertar os níveis de cortisol vão subindo até encontrarem o seu valor máximo na altura em que acordamos, de manhã. Esta será uma das razões pelas quais nunca sentimos que descansamos tão bem quando alteramos muito os nossos horários de sono: porque os ritmos de cortisol não conseguem acompanhar facilmente essas alterações, principalmente se forem esporádicas e aleatórias, e acabamos por não conseguir descansar tão bem. A mesma coisa pode acontecer por alterações provocavas por estados de stress e tensão que aumentam os níveis de cortisol no organismo e nos impedem de dormir bem. 

Acontece que, hoje se sabe, que os bebés nascem ainda sem um padrão de cortisol definido. Os seus ritmos de cortisol durante os primeiros meses ainda não seguem este padrão estável, como nos adultos e, ao que parece, só começam a ficar mais definidos por volta dos nove meses de idade. Isto quer dizer que é importante que ajudemos os bebés a criar esse padrão para que possam ter um ritmo de sono mais regular. Há especialistas que defendem que os problemas de sono na infância podem levar a problemas de sono na vida adulta. Possivelmente isto estará relacionado com essa incapacidade de estabelecer um rimo regular para a produção de cortisol (e outras hormonas relacionadas com o sono) que se poderá prolongar se o bebé não tiver oportunidade de ir desenvolvendo esses padrões. 

A grande questão aqui é que forçar o bebé a uma situação que vai contra todo o seu instinto - dormir sozinho - só provoca uma elevação destes níveis de cortisol o que, por sua vez, vai dificultar a criação deste ritmo e de um padrão estável. Já há estudos que demonstram que quando se deixa um bebé a chorar para adormecer os seus níveis de cortisol sobem muito e continuam elevados, mesmo depois do bebé parar de chorar. Isto quer dizer que é possível ensinar um bebé a ignorar o seu instinto e a deixar de demonstrar o seu desconforto e tensão, mas a que preço e para quê? 

Pelo contrário, se deixarmos um bebé em contacto com o corpo e com o organismo da mãe ou do pai durante a maior parte do dia, aquilo que provavelmente irá acontecer é que o organismo do bebé se irá deixar como que modelar por este contacto e, assim como os bebés vão adoptando o ritmo respiratório do batimento cardíaco das mães, provavelmente irão também começar a adquirir mais facilmente os seus padrões de cortisol. Então é isto que o instinto de qualquer mãe e que qualquer bebé sabe perfeitamente: é que um bebé pequeno se desenvolve muito melhor e com muito mais facilidade se lhe for permitido esse contacto quase permanente com o corpo e com o organismo de um adulto. Porque um bebé sozinho também consegue respirar e o coração continua a bater mas a verdade é que precisa de despender muito mais energia para o fazer e o que acontece é que o faz a partir de um estado de maior tensão, que não lhe permite ficar tão livre para crescer e para investir em todas as outras tarefas de aprendizagem intensa que fazem parte dos seus primeiros anos de vida. Por isso um bebé a quem este contacto e esta presença são permitidos também se torna um bebé muito mais fácil de criar e de cuidar o que, por sua vez, também liberta a mãe para outras descobertas e para uma maternidade muito mais leve e fluída. 

Ligar para crescer - fundir antes de separar 


E, na verdade, o que acontece é que isto é válido para os dois lados, porque o bebé ganha muito com esta presença mas a mãe também pode ganhar. Porque o facto de ter o bebé junto a si, a mamar por exemplo, ou simplesmente junto ao peito também faz com que se libertem uma série de hormonas , como a já tão conhecida oxitocina a que se chama muitas vezes a hormona do prazer, que estão relacionadas com sentimentos de bem-estar, de tranquilidade e de felicidade. Então uma mãe que se permite seguir o seu instinto também pode viver estes primeiros meses de maternidade de forma muito mais prazeirosa e acredito até que esta é uma das fórmulas mais importantes para prevenir a depressão pós-parto. Culpam-se muitas vezes as hormonas por esta depressão mas, por um lado, estas podem ser produzidas justamente pelo contacto com o bebé e, por outro lado, acredito que esta está muitas vezes relacionada com sentimentos de perda e de incapacidade de cuidar do bebé ou de si própria durante estes primeiros tempos. Então, sem querer simplificar uma coisa que, obviamente é bem mais complexa do que isto e que precisa de ser compreendida de acordo com a história de vida e com as experiências de cada mulher, a verdade é que seguir o instinto e não termos medo de mergulhar completamente nele e na experiência de nos fundirmos com as nossas crias é uma parte muito importante de prevenir esta condição. 

Já se sabe que quando nascemos, é através destas ligações e vínculos intensos que criamos com os nossos pais que aprendemos a segregar certas hormonas que estão relacionadas com o prazer e bem-estar, como a dopamina, por exemplo. Acontece que, se não tivermos a experiência de aprender a produzir por nós mesmos estas hormonas na infância, vamos precisar, mais tarde, de encontrar fontes exteriores que nos levem a produzi-las para que possamos encontrar sentimentos de prazer e satisfação que são essenciais nas nossas vidas. Existe assim já uma teoria muito bem fundamentada que nos explica que esta é justamente a base de todas as dependências - químicas e não só - que podemos ir desenvolvendo ao longo da vida: o sentimento de separação, de abandono e a incapacidade de nos sentirmos verdadeiramente ligados a alguém que está na base da nossa capacidade de produzir todas essas hormonas associadas ao bem-estar e felicidade. (foi sobre isso mesmo o primeiro artigo deste blog). 

Os psicólogos, os pediatras e a sociedade em geral, alertam-nos para os perigos desta fusão. Muitas pessoas bem intencionadas nos dizem que não podemos deixar de cuidar de nós para sermos mães (eu própria o afirmo no meu último livro), outras dizem-nos que não podemos descuidar a vida de casal, ou a profissão para podermos ser felizes. Mas acredito que, nos primeiros tempos, aquilo de que cada mãe precisa é de não ter medo de se fundir com a sua cria, os bebés nascem desse estado de fusão: estavam completamente dependentes e ligados a nós dentro do útero e precisam de tempo para se irem desligando aos poucos. E também nós, mães, precisamos desse tempo, esse desligar tem de ser gradual, instintivo e sem pressas. É verdade que temos de cuidar de nós para sermos boas mães mas acredito que, nos primeiros meses, cuidar de nós é cuidar dos nossos filhos. Mais do que deixá-los com os avós para irmos passear ou a dormir sozinhos para podermos descansar, precisamos de aceitar que, nos primeiros meses de vida, cuidar de nós é justamente não termos medo de seguir o instinto e de nos deixarmos absorver de forma completa e total pelo nosso papel de mãe. Sabendo que, depois aos poucos, a vida se encarregará naturalmente de nos lembrar de todos os outros papeis importantes. Já Winnicott (pediatra muito reconhecido pelas suas teorias do desenvolvimento infantil) dizia que "Não existe tal coisa como um bebé sozinho. Apenas um bebé e a sua mãe." O que isto quer dizer é que, enquanto sociedade, precisamos também de reconhecer que há realmente uma altura em que esta fusão emocional acontece, faz sentido e é necessária. E não precisamos de a temer, de a contrariar ou de fugir dela mas sim de abraçar totalmente esse estado sem medos, sem receios de nos entregarmos totalmente, sabendo que no dia em que começarmos a sair dele tanto nós como os nossos filhos teremos muito mais capacidade para viver de forma plena, feliz e completa. Reconhecendo que primeiro é preciso mesmo fundir para que, depois dessa fusão, com o tempo e de forma natural e gradual, possam sair dois seres novos, diferentes e mais maduros porque não é só o bebé que tem oportunidade de crescer e de aprender com este estado mas para a mãe também pode ser um tempo de transformação, de aprendizagem e de crescimento intenso se permitirmos que tudo flua naturalmente. 

2 comentários:

  1. Laura, achei incrível o seu blog. Você já esteve aqui no Brasil (em São Paulo, mais precisamente). Adoraria conhecê-la pessoalmente!! Tenho um projeto de meditação e inteligência emocional ... estou começando a jornada, e é sempre bom encontrar inspirações! Tem algum e-mail que eu possa te escrever? (Se der dá uma olhada na minha página: https://www.facebook.com/adubados/). Bj grande e sucesso!

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    1. Muito obrigada pelo seu feedback. Vou espreitar a página, sim. Se quiser pode enviar e-mail para inforvida@gmail.com

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