sexta-feira, 8 de abril de 2016

Crianças que batem

Uma das preocupações frequentes dos pais tem que ver com o facto das crianças, geralmente a partir do primeiro ano, mostrarem muitas vezes tendência para bater quando são contrariadas ou quando se sentem frustradas ou zangadas. Este comportamento é perfeitamente natural a partir de um ano e pouco e geralmente dura pelo menos até aos 4, 5 anos, embora possa diminuir de intensidade ou de frequência. Também pode acontecer que em vez de bater a criança empurre, dê pontapés ou morda quem está ao pé ou a pessoa responsável pela sua frustração.

Por vezes os pais pensam que este comportamento só pode ter sido aprendido na escola, com outras crianças, já em que em casa nunca lhes foi dado esse exemplo. Outras vezes, quando as crianças não andam na escola, os pais ficam ainda mais preocupados e intrigados e sem saber como é que a criança aprendeu a fazer isso. A verdade é que bater ou dar pontapés é um comportamento que não precisa de ser aprendido. É um comportamento instintivo que todas as crianças mostram pelo menos de vez em quando. 


A zanga como uma resposta fisiológica    


Sempre que nos zangamos estamos a despoletar aquilo que se chama a resposta de luta ou fuga que, neste caso, é mais de luta e que significa que o nosso corpo se está a preparar para lidar com uma potencial ameaça. Esta ameaça não precisa de ser real mas o que é certo é que uma parte do nosso cérebro identificou algo como sendo potencialmente perigoso para a nossa sobrevivência ou para a nossa integridade física e, por isso, o corpo prepara-se para lidar com essas ameaças, pondo em marcha uma série de modificações fisiológicas. Isto é uma resposta comum a todos os mamíferos e que está presente desde o nascimento. Acontece que um bebé quando se zanga ainda não tem controlo suficiente para bater por isso só pode chorar e esbracejar ou espernear. Mas, a partir do momento em que a criança começa a ser capaz de exercer algum controlo sobre as suas funções motoras e começa também a perceber que em algum poder sobre o seu meio ambiente, percebe também que é capaz de bater e que, ainda por cima, isso até tem algumas consequências - embora nem sempre as desejadas, mas a criança pequena ainda demora algum tempo até fazer essa ligação. Então, na verdade, bater não é algo pensado ou consciente, no sentido em que a criança não pensa que irá bater para conseguir algo mas é mais um impulso, um instinto que pode ser posto em marcha sempre que ela sente que pode estar a ser posta em causa a sua integridade. E é relativamente fácil para uma criança pequena sentir isso porque esta é uma fase em que ela está a descobrir que tem vontades, gostos e ideias próprias e que tem capacidade de fazer coisas e de agir no mundo. E o seu instinto diz-lhe que deve perseguir essas acções que deve tentar seguir os seus gostos, as suas preferências, afinal esta é uma forma importante de perceber quem é e de se conhecer como pessoa. Mas, ao mesmo tempo, a criança também percebe que há uma vontade mais forte que é a dos pais, ou por vezes, de outras crianças e que essas vontades entram facilmente em choque com as suas. Isto gera uma sensação grande de frustração e de zanga que uma criança ainda não tem grande capacidade de gerir, por isso só lhe resta agir.

O modelo cérebro-mão

Daniel Siegel tem um modelo muito útil que nos ajuda a compreender o funcionamento do cérebro e as diferenças entre o cérebro de um adulto e de uma criança: é o modelo do cérebro-mão. Para o compreender experimente fechar uma das suas mãos com o polegar por dentro dos restantes dedos. Neste modelo o polegar representa o sistema límbico, a zona do cérebro que está ligada ás emoções e que é responsável pelo seu surgimento. Os restantes dedos representam o córtex cerebral, a parte que está ligada ao pensamento mais racional e mais elaborado e que nos pode ajudar a integrar, a estruturar e a processar as emoções. Agora experimente abrir a mão, deixando só o polegar em contacto com a palma. Isto é o que acontece quando nos zangamos: o sistema límbico fica, temporariamente, desligado do córtex cerebral e ficamos a viver as emoções de uma forma muito intensa e, enquanto essa ligação não se restabelecer, torna-se difícil processar as emoções e agir de forma mais controlada. Por isso a expressão que usa muitas vezes - saltou-me a tampa - até é bastante adequada, porque é mesmo o que acontece. Ora as crianças, até aos dois anos, pelo menos, vivem permanentemente sem tampa, porque o seu córtex cerebral ainda não está suficientemente desenvolvido para poderem fazer uso dele e processar racionalmente aquilo que estão a sentir. Este desenvolvimento só começa a partir dos dois anos e, na verdade, sabe-se que só está concluído por volta dos vinte e poucos anos de idade. O que mostra o longo percurso que os nossos filhos ainda têm pela frente para aprenderem a lidar com o que sentem.

O desenvolvimento dos sentimentos mistos 

Gordon Neufeld explica que a forma mais importante e eficaz de fazer com que a criança pare de bater é esperar pelo desenvolvimento daquilo a que ele chama os sentimentos mistos, que não começam a aparecer antes dos 5 anos de idade. Quando nós, adultos, ficamos zangados com alguém, - quando nos zangamos muito com os nossos filhos, por exemplo - aquilo que nos impede de lhes bater é saber que, mesmo zangados, continuamos a gostar muito deles e que não os queremos magoar. Mas uma criança, antes dos cinco anos, ainda não consegue sentir esta dualidade, só sabe que está furiosa naquele momento e não é capaz de sentir as duas coisas ao mesmo tempo. Só a partir dos cinco anos de idade é que córtex cerebral começa a desenvolver-se o suficiente para que a criança comece a ser capaz de sentir estas duas coisas opostas e aparentemente contraditórias ao mesmo tempo: detesto-te neste momento mas sei que gosto muito de ti e não te quero magoar. Então tudo que precisamos de fazer é dar-lhes tempo para chegarem até aqui. E é preciso lembrar que nem todas as crianças chegam ao mesmo tempo às mesmas fases, por isso se uma criança mais velha ainda não consegue lidar com esta ambivalência e tem muita tendência para agredir temos de tentar perceber se ela já chegou realmente a essa fase porque, na verdade, é possível que ainda não tenha chegado. Na verdade, há alguns adultos que ainda não conseguem ver o mundo sem ser a preto e branco, porque não tiveram no seu desenvolvimento as condições ideias para poderem crescer de verdade.

Então como lidar com uma criança que bate? 

Primeiro é importante perceber que ela está apenas a ser criança, não quer dizer que seja má, ou que tenha maus instintos ou sequer que esteja a ser mal educada. Está a fazer aquilo que lhe é mais natural, depois podemos até dizer que não gostamos daquele comportamento e mostrar-lhe formas alternativas de expressar a sua zanga mas sempre sem dar muita importância ao que ela fez. É importante que a criança sinta que não fez nada de errado e que não se passa nada de mal consigo pelo facto de não ser capaz de controlar as suas emoções e os seus impulsos, porque ainda não é realmente suposto que o faça. 

Depois, se a criança nos bateu a nós, como acontece muitas vezes, é importante também sermos capazes de processar os nossos sentimentos e de não levarmos isso como um ataque pessoal. O mesmo acontece quando a criança diz à mãe ou pai que já não gosta deles e isso, por vezes, deixa os pais muito sentidos. Mas é preciso percebermos que a criança, naquele momento, está mesmo sem tampa e a viver emoções muito intensas, de uma forma muito crua e não tem realmente capacidade para se lembrar que, na verdade, gosta muito de nós. Então é importante não nos mostrarmos muito ofendidos e fazermos com que a criança sinta que estamos presentes, que a relação está intacta e que ela pode explodir e ficar sem tampa à vontade, que nós vamos estar com a nossa tampa no sítio para a ajudar a lidar com as emoções.

Também é importante lembrar que a maior fonte de frustrações e de ansiedade para uma criança é sentir que pode estar em risco a sua ligação com os pais. Por isso se respondemos à sua frustração com demasiada rispidez, ou fazendo com que se sinta  mal, estamos só a aumentar a sua tensão e a criar-lhe ainda mais frustração que ela não terá como gerir e que irá precisar de descarregar de alguma forma o que, por sua vez, é muito provável que gere mais agressões. Por isso é fundamental que a criança perceba que a relação está intacta e que o nosso amor é mesmo incondicional. Isto não significa fazer aquilo que ela quer, ou ceder para que não se sinta frustrada, mas significa mostrar que compreendemos a sua zanga e a sua frustração e que, mesmo não gostando que ela bata, percebemos que não é capaz de lidar de outro modo com as suas emoções.

Diz-se muitas vezes que as crianças têm de aprender a regular as emoções, isto é verdade mas, primeiro têm que o fazer de acordo com o seu grau de desenvolvimento e segundo, precisam sempre da ajuda de um adulto para o serem capazes de o fazer. E se nós não formos capazes de gerir a nossa própria frustração, dificilmente poderemos servir de modelo para a criança aprender como o fazer com a sua. Se nós ficamos imediatamente sem tampa quando nos damos conta de que a criança fez algo de que não gostámos, então dificilmente podemos ser um modelo de como ela pode aprender a manter a sua.

Se a criança bateu noutra criança, podemos tentar perceber o que gerou a frustração e dar exemplos à criança de como poderia conseguir o que queria sem precisar de bater. Sem grandes explicações porque as crianças aprendem mais por ver do que com as palavras, podemos encontrar formas de exemplificar o comportamento que ela poderia ter tido nos casos em que isso é possível. Nestes casos também pode ser importante dar atenção à outra criança e ver como se está a sentir. Se percebemos que a outra ficou sentida é importante dar-lhe espaço para expressar isso e para mostrar o que sente mas, ao mesmo tempo, sem que a que bateu se sinta mal por tê-lo feito. Podemos também aproveitar para explicar as consequências mostrando a quem bateu que o outro ficou triste ou sentido mas sempre sem um tom demasiado crítico para o que agrediu, mostrando também ao que ficou mais sentido que a criança que lhe bateu não o fez por não gostar dele mas apenas por não saber lidar com a situação de outro modo. Mas, na verdade, ao mostrarmos preocupação e empatia com o sofrimento da outra criança já estamos a servir de modelo para a forma como gostaríamos que o nosso filho agisse nestas ocasiões, por isso nem serão precisas grandes explicações.

Nos casos em que os pais da outra criança estão presentes e ficam também sentidos com a situação, também pode ser importante falar com eles e mostrar alguma compreensão mas sem deixarmos que isso nos influencie demasiado na forma de lidarmos com os nossos filhos.

Por último é importante percebermos que não é preciso eliminar as frustrações da vida das crianças mas apenas estarmos presentes e termos paciência para as ensinar a lidar com elas da melhor forma. E saber que é fundamental sermos capazes de confiar nos nossos filhos e no seu desenvolvimento, acreditando na sua natureza e sabendo que o nosso papel é orientar mas também dar espaço para que ela possa desenvolver-se com confiança e harmonia. 


segunda-feira, 4 de abril de 2016

Entrevista TSF - Pais e Filhos sobre a entrada na escola

Há umas semanas fui entrevistada para o programa Pais e Filhos, da TSF, sobre as crianças e a entrada na escola. Deixo aqui o link para quem quiser ouvir a entrevista, a partir dos 11 minutos.

http://www.tsf.pt/programa/tsf-pais-e-filhos/emissao/03-abril-2016-5107342.html

E aqui uma parte mais pequenina da entrevista:

http://www.tsf.pt/programa/tsf-pais-e-filhos/emissao/05-04-2016-5109500.html