segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Mindfulness para Pais - apresentação do livro no Lisbon Yoga Festival

Este fim de semana fui falar um pouco do meu último livro aos participantes do Lisbon Yoga Festival. Partilho aqui o vídeo dessa apresentação e das perguntas no final.


quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Obediência, liberdade e consciência

Hoje em dia fala-se cada vez em educação e em parentalidade e acredito que começamos a ganhar cada vez mais consciência de que existem formas diferentes de educar do que aquelas que conhecíamos e tomávamos como certas até agora. 
Nestes debates surge muitas vezes uma questão que é realmente importante e que me parece que nem sempre é bem compreendida: a questão da obediência. Por um lado temos pessoas que defendem que os filhos precisam de obedecer aos pais porque isso faz parte da boa educação e é essencial para o seu bom desenvolvimento, por outro temos aqueles que acham que a obediência faz parte dos modelos educativos ultrapassados e compromete até a capacidade da criança se descobrir a si própria e às suas vontades. Acredito que a verdade está algures no meio destas duas abordagens. 

Então vamos por partes. 

1. Conformismo  (de que já falei aqui)

Há alguns estudos interessantes que mostram como o ser humano tem necessidade de se sentir incluído num grupo. Nos anos 50, Asch fez umas experiências sobre conformismo social que ficaram célebres. (ver aqui vídeo) Nestas experiências havia um sujeito que estava numa sala com várias pessoas sem saber que estas estavam combinadas com os investigadores. Estas pessoas viam uma série de linhas e tinham que dizer, em voz alta, qual é que era igual à primeira que era mostrada. A resposta era óbvia mas tinha sido combinado que dariam todas a resposta errada. A grande maioria das pessoas que participou na experiência, começava por dar a resposta certa mas, ao fim de pouco tempo, acabava também por dar a resposta errada apenas para estar de acordo com os outros. Também acontece que a pessoa se chegava mesmo a convencer que o grupo estava certo. Um aspecto interessante desta experiência é que, se a pessoa tivesse um aliado, que desse também a resposta certa, na grande maioria dos casos, esta já seria capaz de manter a resposta certa.

Uma outra experiência ainda mais extrema foi pensada por Stanley Migram e levada a cabo, com várias pessoas de diferentes idades e estratos sociais nos anos 60 e 70. Nesta experiência os voluntários estavam numa sala com um examinador enquanto viam através de um vidro uma terceira pessoa que acreditavam ser também um voluntário. Era-lhes dito que estavam a participar num estudo sobre a forma de aprendizagem da outra pessoa e iam fazer-lhe algumas perguntas. Cada vez que a pessoa errava a resposta o analisador dizia ao voluntário para dar um choque à pessoa. E a voltagem dos choques ia sempre aumentando. Uma chocante maioria de 65% das pessoas, quando a ordem era dada pelo analisador, era capaz de dar choques até aos 450 voltes-  uma voltagem que poderia provocar a morte - mesmo quando a pessoa do outro lado gritava e se contorcia com dores. (ver aqui o vídeo)

Estas eram pessoas normais e há quem use os resultados destas experiências para explicar o que aconteceu no tempo dos nazis, por exemplo, em que pessoas aparentemente normais foram capazes de cometer os actos mais repugnantes. Porque estas experiências mostram como estamos dispostos a ignorar a nossa consciência e os nossos valores em nome deste sentimento de pertença e de integração. E mostram também que, se não estamos habituados a valorizar o que sentimos e a ser responsáveis pelas nossas acções é muito mais fácil desresponsabilizarmos-nos dos nossos actos e fazermos coisas que podem prejudicar os outros, desde que sintamos que a culpa não é nossa.

 E mostram também que, se não estamos habituados a valorizar o que sentimos a ser responsáveis pelas nossas acções é muito mais mais fácil desresponsabilizarmos-nos dos nossos actos e fazermos coisas que podem prejudicar os outros, desde que sintamos que a culpa não é nossa.


Estes estudos são por vezes citados pelas pessoas que defendem que não devemos querer crianças obedientes a qualquer custo. Acontece que é muito diferente obedecer a um pai ou uma mãe ou obedecer a um estranho. E porque é que é diferente? Porque são mecanismos completamente diferentes aqueles que estão em jogo nestes dois casos.

2. A questão do apego

Quando alguém obedece a um estranho ou a um grupo está a fazê-lo porque quer sentir-se parte desse grupo, precisa de sentir que pertence aquele grupo mesmo que para isso tenha de passar por cima das suas próprias crenças ou convicções. Ora isto acontece (como já expliquei aqui) muito provavelmente porque essa pessoa não teve durante o seu desenvolvimento uma boa noção de pertença, de acolhimento e de aceitação. Por isso não cresceu com a capacidade de defender os seus valores e sentimentos nestas situações até porque, a maior parte das vezes, não é fácil terem consciência deles. Assim, procurar este sentimento de pertença a um grupo é a forma de preencher essa ferida que ficou da infância. E estas feridas podem ser tão facilmente originadas por uma educação demasiado autoritária como por uma educação em que não haja autoridade absolutamente nenhuma.

Quando uma criança obedece a um pai ou uma mãe o ideal é que o faça justamente pelo motivo oposto: porque sabe que pertence e que é aceite e acolhida por aquelas pessoas.
Então aquilo que é importante é distinguir a obediência que vem do medo daquela que surge naturalmente apenas porque confiamos nos nossos pais. 
Talvez a palavra obediência seja demasiado forte e com algumas conotações negativas por isso, na verdade, podemos dizer que não queremos que os nossos filhos nos obedeçam mas que confiem em nós e se deixam orientar nos casos em que é necessário que o façam. 

Gordon Neufeld é um psicólogo Canadiano que gosto sempre de citar porque penso que construiu o modelo que mais facilmente nos ajuda a compreender todo o desenvolvimento infantil. O modelo deste autor gira, todo ele, em torno do conceito de apego. Neufeld explica que a criança nasce com um instinto natural para criar uma ligação de apego com as figuras que cuidam de si, que geralmente são os pais. E é com base neste instinto que devemos encarar toda a nossa ligação com a criança.

Então aquilo que é essencial é perguntarmos sempre, em relação a todas as nossas práticas parentais, até que ponto é que elas favorecem ou prejudicam este instinto. Porque se este instinto for posto em causa o que acontece é que quebramos a nossa ligação com a criança e isso irá limitar muito todas as nossas possibilidades de a orientarmos, guiarmos ou de nos fazermos ouvir. Sempre que magoamos a criança, sempre que não a respeitamos ou ignoramos esse instinto acabamos por ferir os seus sentimentos e, se isto acontece demasiadas vezes, a sua única protecção será fechar-se a esse instinto que lhe diz que deveria ligar-se a nós para não voltar a ser ferida. E sempre que isto acontece será muito mais difícil chegar ao coração dessa criança e por isso mesmo será também muito mais difícil que ela se deixe guiar. 

Porque o instinto de apego da criança também lhe diz que precisa de confiar nos seus pais e confiar implicar acreditar no que eles lhe dizem e pedem para fazer. É só a partir desse instinto que podemos fazer com que as crianças nos oiçam de verdade e confiem em nós o suficiente para fazerem o que lhes pedimos mesmo que isso não lhes agrade muito. 

E é importante perceber também que é através deste instinto que a criança pode encontrar a sua tranquilidade. A criança precisa de sentir que os seus pais são capazes de a proteger e orientar. Precisa de sentir que está em boas mãos para se sentir segura e isto implica aceitar que os pais sabem mais que ela e que por isso têm maior capacidade de fazer boas escolhas. Uma criança que não confie nos pais ou que não se sinta orientada por estes também não se se sente protegida e por isso será uma criança ansiosa. Porque a sua natureza lhes diz que precisam de encontrar protecção, para que a criança possa verdadeiramente descansar ela tem mesmo de confiar nos pais e de se sentir ligada a eles. Se isto não acontecer ela estará sempre num estado de alerta, de procura, de busca em que todo o seu organismo lhe diz que não pode descansar, não pode relaxar porque não é seguro fazê-lo. Isto não significa que essas crianças nunca questionem os pais, antes pelo contrário até: se sentem seguras e aceites é muito natural que não tenham receio de questionar, de resistir e de por em causa o que os pais dizem ou fazem mas também é verdade que sabem bem que a última palavra que vale é mesmo a dos pais, especialmente nas coisas que são verdadeiramente importantes. 

Então é importante percebermos que não podemos abdicar do nosso papel de guias se queremos que os nossos filho possam verdadeiramente descansar. Mas também é fundamental que saibamos que guiar nunca poderá ser forçar e é preciso que nos lembremos sempre que a única forma de guiar com eficácia é através do coração. Por isso precisamos de estar disponíveis para ouvir, escutar e acolher de verdade os sentimentos dos nossos filhos. 

3. Espaço para a auto-descoberta

E é importante também que saibamos que o facto de termos a obrigação de guiar os nossos filhos não nos dá o direito de passar por cima dos seus sentimentos e do seu direito de se descobrirem a si próprios como pessoas com gostos e opiniões próprias que podem ser muito diferentes das nossas. 
Por isso precisamos de guiar e orientar apenas naquilo em que é fundamental que o façamos mas sempre com espaço para que a criança, por um lado se manifeste acerca das nossas orientações - o que inclui acolhermos o seu choro, protestos, zangas como manifestações legítimas e autênticas daquilo que a criança está a sentir - por outro lado, dar-lhe espaço para fazer as suas próprias escolhas sempre que isso for possível nos casos em que sintamos que é válido fazê-lo. 

Precisamos também de dar aos nossos filhos algo que hoje em dia falta muito: espaço para brincar livremente porque é nesta brincadeira, livre que as crianças podem descobrir o seu corpo, as suas preferências e tantas outras coisas importantes sobre si próprias e sobre o mundo. 

E esta auto-descoberta só pode surgir se a criança se sentir segura, se sentir que pode explorar à vontade tudo aquilo que sente porque os pais estarão presentes para a ajudar a dar um significado mesmo aos sentimentos mais difíceis. 

Outro aspecto importante para a auto-descoberta passa pela nossa capacidade de espelhar o que a criança nos mostra: de sermos empáticos com os seus sentimentos e receptivos para com todas as suas manifestações. As crianças aprendem a ver-se através dos nossos olhos e quanto mais livre de julgamentos for esse olhar mais libertas elas ficam para descobrir quem verdadeiramente são, livres dos rótulos que tantas vezes é tão fácil colarmos-lhes mesmo sem querer. 

Com tudo isto ficará mais fácil para os nossos filhos descobrirem-se a si próprios e com essa descoberta de uma identidade autêntica e genuína será muito mais fácil crescerem como pessoas que são capazes de saber quem são, o que sentem e o que defendem mesmo nas situações mais difíceis. 

4. A empatia 

Outro aspecto essencial em relação ao estudo em que as pessoas davam choques eléctricos mesmo nos casos em que a outra pessoa gritava e se contorcia com dores é a questão da empatia. Precisamos que as crianças cresçam capazes de sentir empatia e de se colocarem no lugar do outro se queremos evitar que aconteçam novamente situações como as que a segunda grande guerra originou. Então a melhor forma de garantirmos que as crianças mantêm essa capacidade é cuidarmos mais uma vez do seu instinto de apego para que não se sintam feridas, para que não precisem de fechar o coração e de ter medo de sentir empatia e compaixão pelos outros.

Para sentir empatia precisamos, primeiro de não ter medo do que sentimos. Só assim podemos ser capazes de não ter medo de deixar também entrar os sentimentos dos outros, mesmo quando são fortes, pesados e difíceis de enfrentar. A única maneira de garantirmos isso nos nossos filhos é respeitando os sentimentos deles e algo que é fundamental que respeitemos é essa necessidade de sentirem seguros e protegidos por nós enquanto são crianças. 

5. A questão da liberdade

Alguns apologistas da parentalidade consciente criticam os pais que querem que as crianças obedeçam em nome da sua liberdade individual que não deve ser posta em causa desta forma.

Mas a maior liberdade que uma criança poderá ter é a de se sentir protegida e segura com as suas figuras de apego. É isto que lhe dá toda a liberdade necessária para não ter medo de descobrir o mundo e a si mesma. Para não ter medo de explorar dentro e fora de si própria porque sabe que, aconteça o que acontecer, descubra o que descobrir, os seus pais estarão presentes e serão capazes dea acolher, de a ajudar a dar sentido ao que descobriu e de a ajudar a assimilar e ultrapassar todas as descobertas difíceis sempre que for necessário.
A maior liberdade que uma criança pode ter é a de sentir que pode descansar nos braços dos seus pais e que pode sempre ser acolhida por eles seja qual for a situação em que se encontre. A liberdade de os saber sempre presentes e prontos para fazerem aquilo que lhes parece melhor e mais importante para o seu desenvolvimento. A liberdade de crescer a sentir-se amada, apreciada, acolhida e a sentir que pertence de verdade aquela família.

6. A questão da contra vontade 

Gordon Neufeld fala muito de um conceito importante na sua teoria: o da contra-vontade. Esta é uma tendência que a criança tem para se manifestar contra tudo aquilo que sente como sendo uma coerção por parte dos adultos ou de alguém mais forte que ela.

Esta contra vontade, explica Neufeld, surge porque a vontade da criança ainda é muito frágil e precisa de ser protegida para se poder desenvolver. Ele diz que esta é uma espécie de vedação que serve para proteger a plantinha que começa a surgir com as primeiras vontades da criança em desenvolvimento. 
Por isso é que por volta dos dois anos as crianças têm geralmente alguma tendência para responderem não a tudo e para se manifestarem contra tudo o que sentem que lhes querem impor, fazendo birras com mais frequência: porque nesta idade a vontade da criança começa ainda a despontar; aos dois anos as crianças começam a descobrir o mundo e a si próprias e começam a descobrir que têm preferências e opiniões e sentimentos mais fortes em relação a algumas coisas.
Mas isto nesta fase, ainda é tão frágil que a criança fica muito sensível a qualquer acção do adulto, que vê como muito mais forte e que poderia facilmente impor a sua vontade. Por isso reage muito fortemente a tudo o que possa ser sentido como a mais leve imposição.

Então precisamos de respeitar e compreender esta contra-vontade. Compreender também que, regra geral, quanto mais a criança se opõe e reage contra o adulto, mais fraca é a forma como sente a sua própria vontade, por isso precisa de a proteger.

7. A comunidade e o indivíduo 

Nas sociedades ocidentais temos cada vez um tipo de educação que procura promover o individualismo e a independência e há quase uma espécie de obsessão colectiva com a independência das crianças. Mas, a verdade, é que neste tipo de educação acaba muitas vezes por falhar a compreensão de que todos nós precisamos de nos sentir parte de um todo e quanto mais negarmos essa parte em nós mais fácil será a criança crescer com essa espécie de falha e ter necessidade de a procurar nos grupos fora da família, fazendo tudo o que for preciso para se sentir aceite por eles. 

Uma família onde seja valorizada a interdependência e reconhecida a dependência da criança, sobretudo nos seus primeiros anos, será uma família que terá mais hipóteses de criar crianças que se sintam integradas, reconhecidas e que, por isso mesmo, não terão tanta necessidade de se sentir aceites fora da família. O que, por sua vez, lhes permitirá mais facilmente manter os seus valores e fazer valer os seus pontos de vista em todas as situações de grupo. 

8. Conclusão 

O mais saudável para o desenvolvimento da criança não será um tipo de educação em que nunca nada é imposto porque isto poderá ser facilmente sentido pela criança como um vazio de apego, para usar a expressão de Neufeld. Este vazio de apego acontece quando a criança não se sente suficientemente protegida ou acolhida por aquelas que seriam as suas figuras de referência e de apego principal e poderá estar na origem de vários problemas de desenvolvimento, nomeadamente a
ansiedade que é tão comum nas crianças hoje em dia.

Mas uma educação em que tudo é imposto e em que se quer que a criança obedeça sem questionar também não será saudável pela mesma razão: porque põe também em causa o instinto de apego da criança ao fazê-la sentir que a sua natureza não é respeitada ou acolhida.

Aquilo que precisamos de fazer será encontrar algures o caminho do meio em que somos capazes de nos posicionar perante a criança sem receios de sentir que somos a sua figura de referência, somos alguém que é mais velho, mais capaz, que está mais avançado no caminho da vida e que por isso poderá fazer mais facilmente determinadas escolhas importantes mas, ao mesmo tempo, saber que precisamos de ter abertura suficiente para não sobrecarregar o seu espírito, a sua natureza e as suas vontades, dando-lhes tempo e espaço para que se manifestem e acolhendo-as o melhor possível, livres de julgamentos e com todo o nosso coração. 





sábado, 16 de julho de 2016

Maternidade instintiva e os primeiros tempos de vida

Há dias folheei uma revista sobre gravidez em que um dos artigos falava dos muitos itens supostamente essenciais a comprar quando nos preparamos para ter um filho. De algumas das inutilidades destacadas por esse artigo e vários outros do género aquela que me chama sempre mais a atenção são os aparelhos de intercomunicação, que servem para que o bebé possa ficar sozinho numa divisão e os pais possam ir ouvindo o que se passa. A mim estes aparelhos confesso que me despoletam uma espécie de ódiozinho de estimação porque acredito que simbolizam de certa forma uma grande parte de tudo aquilo que está errado na nossa forma de viver a maternidade hoje em dia. 

Esses aparelhinhos, que já variam muito no seu grau de sofisticação, demonstram que o instinto de qualquer mãe é querer saber o que se passa com o seu bebé a qualquer hora. Demonstram que o instinto de qualquer mãe é saber que os bebés não são criaturas que devam ficar sozinhas em divisões à parte, onde não podemos vê-las e nem sequer ouvi-las facilmente. O problema é que nos achamos muito espertos e racionais, então, em vez de darmos ouvidos a esse instinto inventamos um aparelho qualquer que o substitua. 

E quando começamos a querer substituir o instinto pela razão, neste caso, a tendência é para que toda uma série de outros problemas venham atrás. Porque a maternidade não é racional, não pode nem deve ser racional. Quem no seu juízo perfeito escolheria gerar e cuidar de um bebé, com tudo o que isso implica, se fosse apenas uma escolha racional?! A maternidade é das coisas mais instintivas que existem e é assim que deve ser e, para a vivermos de forma feliz, leve e descontraída é mesmo ao instinto e às emoções que precisamos, mais do que nunca, de estar ligados porque a razão por si só nunca nos dará aquilo de que precisamos, sobretudo nos primeiros meses de vida dos nossos filhos. 

E porque o bebé também tem o seu instinto, que lhe diz que também deverá fazer todos os possíveis para se manter perto dos pais, que lhe diz que é perigoso e inseguro estar sozinho. Porque o bebé ainda não consegue racionalizar, para nós, adultos, é possível pensar que o instinto não está certo porque um bebé pequeno fechado num quarto de uma casa qualquer num berço com grades e todo o conforto e segurança material está livre de qualquer perigo. Mas o bebé ainda só tem o instinto para o guiar, não tem essa possibilidade de racionalizar e saber que o perigo não é real por isso a tendência será para seguir o seu instinto e protestar contra esse abandono sentido. E quando isto acontece muitos supostos especialistas dizem-nos que devemos acalmar o bebé, sim (felizmente já vão sendo menos os que dizem que se deve apenas deixá-lo chorar até se cansar) mas sem lhe pegar ou sem o tirar o quarto, que seria justamente o que ele precisaria. E aqui entramos num terreno que chega a ser quase ridículo em que esperamos que um bebé de meses seja capaz de perceber e de racionalizar que os seus pais estão por perto mas não lhe pegam e não lhe dão o conforto de que precisa porque sabem que ele está seguro e que o perigo que o seu instinto lhe diz que pode existir não é real. E como é que é possível que acreditemos que um bebé pode compreender isto? A única coisa que acontece nestes casos é que o bebé vai deixando também de manifestar o seu instinto e, talvez pior, vai deixando de confiar nele. 

Algumas pessoas defendem que é indiferente que um bebé durma sozinho ou acompanhado desde que os pais respondam quando ele chora e desde que isto esteja de acordo com as suas convicções e escolhas de vida. Na verdade, não acredito nisto. Não acredito que seja benéfico para um bebé de meses dormir sozinho e, mais, não acredito que isto tenha algum benefício para a mãe. Acredito que uma mãe que não quer dormir com o seu bebé é uma mãe que tem medo, medo de estar a fazer algo de errado e de vir a ser criticada, medo de prejudicar o bebé, medo de lhe fazer mal  e, acima de tudo, medo de confiar no seu próprio instinto. 

Porque o instinto de mãe mostra claramente que, nos primeiros meses de maternidade, o mais importante é mantermos-nos perto do bebé. A ciência demonstra que um bebé que está em contacto com o corpo da mãe regula mais facilmente os seus batimentos cardíacos, o ritmo respiratório, a temperatura e, ao que parece até o próprio desenvolvimento cerebral e do sistema nervoso podem aprender com esta espécie de quase fusão com o organismo mais maduro da mãe que o vai influenciando nos seus próprios ritmos. 

O cortisol e o sono nos bebés 


Uma das grandes queixas das mães é o facto dos bebés nascerem muitas vezes com o que se chama sonos trocados. Muitos bebés dormem o dia inteiro e à noite estão despertos e prontos para a brincadeira coisa que leva muitos pais ao desespero. Hoje sabemos que uma das hormonas que tem um papel importante nos ritmos de sono é o cortisol - que também está ligado à resposta de stress. Quando estamos num sono profundo, à noite, os nossos níveis de cortisol estão no seu valor mais baixo e, à medida que nos vamos preparando para despertar os níveis de cortisol vão subindo até encontrarem o seu valor máximo na altura em que acordamos, de manhã. Esta será uma das razões pelas quais nunca sentimos que descansamos tão bem quando alteramos muito os nossos horários de sono: porque os ritmos de cortisol não conseguem acompanhar facilmente essas alterações, principalmente se forem esporádicas e aleatórias, e acabamos por não conseguir descansar tão bem. A mesma coisa pode acontecer por alterações provocavas por estados de stress e tensão que aumentam os níveis de cortisol no organismo e nos impedem de dormir bem. 

Acontece que, hoje se sabe, que os bebés nascem ainda sem um padrão de cortisol definido. Os seus ritmos de cortisol durante os primeiros meses ainda não seguem este padrão estável, como nos adultos e, ao que parece, só começam a ficar mais definidos por volta dos nove meses de idade. Isto quer dizer que é importante que ajudemos os bebés a criar esse padrão para que possam ter um ritmo de sono mais regular. Há especialistas que defendem que os problemas de sono na infância podem levar a problemas de sono na vida adulta. Possivelmente isto estará relacionado com essa incapacidade de estabelecer um rimo regular para a produção de cortisol (e outras hormonas relacionadas com o sono) que se poderá prolongar se o bebé não tiver oportunidade de ir desenvolvendo esses padrões. 

A grande questão aqui é que forçar o bebé a uma situação que vai contra todo o seu instinto - dormir sozinho - só provoca uma elevação destes níveis de cortisol o que, por sua vez, vai dificultar a criação deste ritmo e de um padrão estável. Já há estudos que demonstram que quando se deixa um bebé a chorar para adormecer os seus níveis de cortisol sobem muito e continuam elevados, mesmo depois do bebé parar de chorar. Isto quer dizer que é possível ensinar um bebé a ignorar o seu instinto e a deixar de demonstrar o seu desconforto e tensão, mas a que preço e para quê? 

Pelo contrário, se deixarmos um bebé em contacto com o corpo e com o organismo da mãe ou do pai durante a maior parte do dia, aquilo que provavelmente irá acontecer é que o organismo do bebé se irá deixar como que modelar por este contacto e, assim como os bebés vão adoptando o ritmo respiratório do batimento cardíaco das mães, provavelmente irão também começar a adquirir mais facilmente os seus padrões de cortisol. Então é isto que o instinto de qualquer mãe e que qualquer bebé sabe perfeitamente: é que um bebé pequeno se desenvolve muito melhor e com muito mais facilidade se lhe for permitido esse contacto quase permanente com o corpo e com o organismo de um adulto. Porque um bebé sozinho também consegue respirar e o coração continua a bater mas a verdade é que precisa de despender muito mais energia para o fazer e o que acontece é que o faz a partir de um estado de maior tensão, que não lhe permite ficar tão livre para crescer e para investir em todas as outras tarefas de aprendizagem intensa que fazem parte dos seus primeiros anos de vida. Por isso um bebé a quem este contacto e esta presença são permitidos também se torna um bebé muito mais fácil de criar e de cuidar o que, por sua vez, também liberta a mãe para outras descobertas e para uma maternidade muito mais leve e fluída. 

Ligar para crescer - fundir antes de separar 


E, na verdade, o que acontece é que isto é válido para os dois lados, porque o bebé ganha muito com esta presença mas a mãe também pode ganhar. Porque o facto de ter o bebé junto a si, a mamar por exemplo, ou simplesmente junto ao peito também faz com que se libertem uma série de hormonas , como a já tão conhecida oxitocina a que se chama muitas vezes a hormona do prazer, que estão relacionadas com sentimentos de bem-estar, de tranquilidade e de felicidade. Então uma mãe que se permite seguir o seu instinto também pode viver estes primeiros meses de maternidade de forma muito mais prazeirosa e acredito até que esta é uma das fórmulas mais importantes para prevenir a depressão pós-parto. Culpam-se muitas vezes as hormonas por esta depressão mas, por um lado, estas podem ser produzidas justamente pelo contacto com o bebé e, por outro lado, acredito que esta está muitas vezes relacionada com sentimentos de perda e de incapacidade de cuidar do bebé ou de si própria durante estes primeiros tempos. Então, sem querer simplificar uma coisa que, obviamente é bem mais complexa do que isto e que precisa de ser compreendida de acordo com a história de vida e com as experiências de cada mulher, a verdade é que seguir o instinto e não termos medo de mergulhar completamente nele e na experiência de nos fundirmos com as nossas crias é uma parte muito importante de prevenir esta condição. 

Já se sabe que quando nascemos, é através destas ligações e vínculos intensos que criamos com os nossos pais que aprendemos a segregar certas hormonas que estão relacionadas com o prazer e bem-estar, como a dopamina, por exemplo. Acontece que, se não tivermos a experiência de aprender a produzir por nós mesmos estas hormonas na infância, vamos precisar, mais tarde, de encontrar fontes exteriores que nos levem a produzi-las para que possamos encontrar sentimentos de prazer e satisfação que são essenciais nas nossas vidas. Existe assim já uma teoria muito bem fundamentada que nos explica que esta é justamente a base de todas as dependências - químicas e não só - que podemos ir desenvolvendo ao longo da vida: o sentimento de separação, de abandono e a incapacidade de nos sentirmos verdadeiramente ligados a alguém que está na base da nossa capacidade de produzir todas essas hormonas associadas ao bem-estar e felicidade. (foi sobre isso mesmo o primeiro artigo deste blog). 

Os psicólogos, os pediatras e a sociedade em geral, alertam-nos para os perigos desta fusão. Muitas pessoas bem intencionadas nos dizem que não podemos deixar de cuidar de nós para sermos mães (eu própria o afirmo no meu último livro), outras dizem-nos que não podemos descuidar a vida de casal, ou a profissão para podermos ser felizes. Mas acredito que, nos primeiros tempos, aquilo de que cada mãe precisa é de não ter medo de se fundir com a sua cria, os bebés nascem desse estado de fusão: estavam completamente dependentes e ligados a nós dentro do útero e precisam de tempo para se irem desligando aos poucos. E também nós, mães, precisamos desse tempo, esse desligar tem de ser gradual, instintivo e sem pressas. É verdade que temos de cuidar de nós para sermos boas mães mas acredito que, nos primeiros meses, cuidar de nós é cuidar dos nossos filhos. Mais do que deixá-los com os avós para irmos passear ou a dormir sozinhos para podermos descansar, precisamos de aceitar que, nos primeiros meses de vida, cuidar de nós é justamente não termos medo de seguir o instinto e de nos deixarmos absorver de forma completa e total pelo nosso papel de mãe. Sabendo que, depois aos poucos, a vida se encarregará naturalmente de nos lembrar de todos os outros papeis importantes. Já Winnicott (pediatra muito reconhecido pelas suas teorias do desenvolvimento infantil) dizia que "Não existe tal coisa como um bebé sozinho. Apenas um bebé e a sua mãe." O que isto quer dizer é que, enquanto sociedade, precisamos também de reconhecer que há realmente uma altura em que esta fusão emocional acontece, faz sentido e é necessária. E não precisamos de a temer, de a contrariar ou de fugir dela mas sim de abraçar totalmente esse estado sem medos, sem receios de nos entregarmos totalmente, sabendo que no dia em que começarmos a sair dele tanto nós como os nossos filhos teremos muito mais capacidade para viver de forma plena, feliz e completa. Reconhecendo que primeiro é preciso mesmo fundir para que, depois dessa fusão, com o tempo e de forma natural e gradual, possam sair dois seres novos, diferentes e mais maduros porque não é só o bebé que tem oportunidade de crescer e de aprender com este estado mas para a mãe também pode ser um tempo de transformação, de aprendizagem e de crescimento intenso se permitirmos que tudo flua naturalmente. 

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Lançamento - Mindfulness para Pais

"Não acredito em métodos para treinar crianças e muito menos bebés, não acredito que as crianças precisem de ser treinadas para atingirem comportamentos que fazem parte da sua evolução natural e não acredito que haja um método certo e único para criar crianças felizes. Também não acredito que a grande meta da educação seja criar filhos independentes como tantas vezes se parece pensar. 

Com a ajuda do mindfulness, uma ferramenta de auto-exploração e de crescimento cada vez mais reconhecida, este livro propõe então que façamos uma viagem pelo nosso passado e, ao mesmo tempo, ao futuro dos nossos filhos. Este livro propõe que sejamos capazes de parar para ganharmos noção e assumirmos a responsabilidade do impacto que temos na vida dos nossos filhos. Mas propõe que o façamos com toda a leveza que o mindfulness pode ensinar. Porque, através dele, podemos perceber que temos toda a responsabilidade e nenhuma culpa. É verdade que através do mindfulness podemos aprender a desenvolver uma atitude que nos ajude a criar filhos mais felizes, mais seguros e mais confiantes mas, para o fazermos, muitas vezes precisamos primeiro de criar uma nova relação connosco próprios. 

Espero que este livro possa ser orientador nesse caminho da consciência, nessa viagem ao nosso interior e também ao interior dos nossos filhos. Mas o guia mais importante nesta viagem é o mesmo o nosso coração, o instinto que sabe exactamente do que é precisamos para sarar as nossas feridas e podermos ser os pais que o nossos filhos merecem. 
Na verdade, este livro não é apenas para pais, mas para todos aqueles que trabalham com crianças no dia a dia ou até para todos os adultos, já que algumas sugestões podem aplicar-se a todo o tipo de relacionamentos. E é também para todos aqueles que, já tendo sido filhos, querem encontrar formas de perceber melhor a sua história e de lidar com as suas feridas."

Estes parágrafos são excertos da introdução do meu livro: Mindfulness para Pais, editado pela Manuscrito. E, porque é sempre bom conhecer quem nos lê, deixo aqui o convite, a todos os leitores deste blog, para estarem presentes na sua sessão de lançamento no dia 9 de Junho, na Fnac do Chiado. 


sexta-feira, 8 de abril de 2016

Crianças que batem

Uma das preocupações frequentes dos pais tem que ver com o facto das crianças, geralmente a partir do primeiro ano, mostrarem muitas vezes tendência para bater quando são contrariadas ou quando se sentem frustradas ou zangadas. Este comportamento é perfeitamente natural a partir de um ano e pouco e geralmente dura pelo menos até aos 4, 5 anos, embora possa diminuir de intensidade ou de frequência. Também pode acontecer que em vez de bater a criança empurre, dê pontapés ou morda quem está ao pé ou a pessoa responsável pela sua frustração.

Por vezes os pais pensam que este comportamento só pode ter sido aprendido na escola, com outras crianças, já em que em casa nunca lhes foi dado esse exemplo. Outras vezes, quando as crianças não andam na escola, os pais ficam ainda mais preocupados e intrigados e sem saber como é que a criança aprendeu a fazer isso. A verdade é que bater ou dar pontapés é um comportamento que não precisa de ser aprendido. É um comportamento instintivo que todas as crianças mostram pelo menos de vez em quando. 


A zanga como uma resposta fisiológica    


Sempre que nos zangamos estamos a despoletar aquilo que se chama a resposta de luta ou fuga que, neste caso, é mais de luta e que significa que o nosso corpo se está a preparar para lidar com uma potencial ameaça. Esta ameaça não precisa de ser real mas o que é certo é que uma parte do nosso cérebro identificou algo como sendo potencialmente perigoso para a nossa sobrevivência ou para a nossa integridade física e, por isso, o corpo prepara-se para lidar com essas ameaças, pondo em marcha uma série de modificações fisiológicas. Isto é uma resposta comum a todos os mamíferos e que está presente desde o nascimento. Acontece que um bebé quando se zanga ainda não tem controlo suficiente para bater por isso só pode chorar e esbracejar ou espernear. Mas, a partir do momento em que a criança começa a ser capaz de exercer algum controlo sobre as suas funções motoras e começa também a perceber que em algum poder sobre o seu meio ambiente, percebe também que é capaz de bater e que, ainda por cima, isso até tem algumas consequências - embora nem sempre as desejadas, mas a criança pequena ainda demora algum tempo até fazer essa ligação. Então, na verdade, bater não é algo pensado ou consciente, no sentido em que a criança não pensa que irá bater para conseguir algo mas é mais um impulso, um instinto que pode ser posto em marcha sempre que ela sente que pode estar a ser posta em causa a sua integridade. E é relativamente fácil para uma criança pequena sentir isso porque esta é uma fase em que ela está a descobrir que tem vontades, gostos e ideias próprias e que tem capacidade de fazer coisas e de agir no mundo. E o seu instinto diz-lhe que deve perseguir essas acções que deve tentar seguir os seus gostos, as suas preferências, afinal esta é uma forma importante de perceber quem é e de se conhecer como pessoa. Mas, ao mesmo tempo, a criança também percebe que há uma vontade mais forte que é a dos pais, ou por vezes, de outras crianças e que essas vontades entram facilmente em choque com as suas. Isto gera uma sensação grande de frustração e de zanga que uma criança ainda não tem grande capacidade de gerir, por isso só lhe resta agir.

O modelo cérebro-mão

Daniel Siegel tem um modelo muito útil que nos ajuda a compreender o funcionamento do cérebro e as diferenças entre o cérebro de um adulto e de uma criança: é o modelo do cérebro-mão. Para o compreender experimente fechar uma das suas mãos com o polegar por dentro dos restantes dedos. Neste modelo o polegar representa o sistema límbico, a zona do cérebro que está ligada ás emoções e que é responsável pelo seu surgimento. Os restantes dedos representam o córtex cerebral, a parte que está ligada ao pensamento mais racional e mais elaborado e que nos pode ajudar a integrar, a estruturar e a processar as emoções. Agora experimente abrir a mão, deixando só o polegar em contacto com a palma. Isto é o que acontece quando nos zangamos: o sistema límbico fica, temporariamente, desligado do córtex cerebral e ficamos a viver as emoções de uma forma muito intensa e, enquanto essa ligação não se restabelecer, torna-se difícil processar as emoções e agir de forma mais controlada. Por isso a expressão que usa muitas vezes - saltou-me a tampa - até é bastante adequada, porque é mesmo o que acontece. Ora as crianças, até aos dois anos, pelo menos, vivem permanentemente sem tampa, porque o seu córtex cerebral ainda não está suficientemente desenvolvido para poderem fazer uso dele e processar racionalmente aquilo que estão a sentir. Este desenvolvimento só começa a partir dos dois anos e, na verdade, sabe-se que só está concluído por volta dos vinte e poucos anos de idade. O que mostra o longo percurso que os nossos filhos ainda têm pela frente para aprenderem a lidar com o que sentem.

O desenvolvimento dos sentimentos mistos 

Gordon Neufeld explica que a forma mais importante e eficaz de fazer com que a criança pare de bater é esperar pelo desenvolvimento daquilo a que ele chama os sentimentos mistos, que não começam a aparecer antes dos 5 anos de idade. Quando nós, adultos, ficamos zangados com alguém, - quando nos zangamos muito com os nossos filhos, por exemplo - aquilo que nos impede de lhes bater é saber que, mesmo zangados, continuamos a gostar muito deles e que não os queremos magoar. Mas uma criança, antes dos cinco anos, ainda não consegue sentir esta dualidade, só sabe que está furiosa naquele momento e não é capaz de sentir as duas coisas ao mesmo tempo. Só a partir dos cinco anos de idade é que córtex cerebral começa a desenvolver-se o suficiente para que a criança comece a ser capaz de sentir estas duas coisas opostas e aparentemente contraditórias ao mesmo tempo: detesto-te neste momento mas sei que gosto muito de ti e não te quero magoar. Então tudo que precisamos de fazer é dar-lhes tempo para chegarem até aqui. E é preciso lembrar que nem todas as crianças chegam ao mesmo tempo às mesmas fases, por isso se uma criança mais velha ainda não consegue lidar com esta ambivalência e tem muita tendência para agredir temos de tentar perceber se ela já chegou realmente a essa fase porque, na verdade, é possível que ainda não tenha chegado. Na verdade, há alguns adultos que ainda não conseguem ver o mundo sem ser a preto e branco, porque não tiveram no seu desenvolvimento as condições ideias para poderem crescer de verdade.

Então como lidar com uma criança que bate? 

Primeiro é importante perceber que ela está apenas a ser criança, não quer dizer que seja má, ou que tenha maus instintos ou sequer que esteja a ser mal educada. Está a fazer aquilo que lhe é mais natural, depois podemos até dizer que não gostamos daquele comportamento e mostrar-lhe formas alternativas de expressar a sua zanga mas sempre sem dar muita importância ao que ela fez. É importante que a criança sinta que não fez nada de errado e que não se passa nada de mal consigo pelo facto de não ser capaz de controlar as suas emoções e os seus impulsos, porque ainda não é realmente suposto que o faça. 

Depois, se a criança nos bateu a nós, como acontece muitas vezes, é importante também sermos capazes de processar os nossos sentimentos e de não levarmos isso como um ataque pessoal. O mesmo acontece quando a criança diz à mãe ou pai que já não gosta deles e isso, por vezes, deixa os pais muito sentidos. Mas é preciso percebermos que a criança, naquele momento, está mesmo sem tampa e a viver emoções muito intensas, de uma forma muito crua e não tem realmente capacidade para se lembrar que, na verdade, gosta muito de nós. Então é importante não nos mostrarmos muito ofendidos e fazermos com que a criança sinta que estamos presentes, que a relação está intacta e que ela pode explodir e ficar sem tampa à vontade, que nós vamos estar com a nossa tampa no sítio para a ajudar a lidar com as emoções.

Também é importante lembrar que a maior fonte de frustrações e de ansiedade para uma criança é sentir que pode estar em risco a sua ligação com os pais. Por isso se respondemos à sua frustração com demasiada rispidez, ou fazendo com que se sinta  mal, estamos só a aumentar a sua tensão e a criar-lhe ainda mais frustração que ela não terá como gerir e que irá precisar de descarregar de alguma forma o que, por sua vez, é muito provável que gere mais agressões. Por isso é fundamental que a criança perceba que a relação está intacta e que o nosso amor é mesmo incondicional. Isto não significa fazer aquilo que ela quer, ou ceder para que não se sinta frustrada, mas significa mostrar que compreendemos a sua zanga e a sua frustração e que, mesmo não gostando que ela bata, percebemos que não é capaz de lidar de outro modo com as suas emoções.

Diz-se muitas vezes que as crianças têm de aprender a regular as emoções, isto é verdade mas, primeiro têm que o fazer de acordo com o seu grau de desenvolvimento e segundo, precisam sempre da ajuda de um adulto para o serem capazes de o fazer. E se nós não formos capazes de gerir a nossa própria frustração, dificilmente poderemos servir de modelo para a criança aprender como o fazer com a sua. Se nós ficamos imediatamente sem tampa quando nos damos conta de que a criança fez algo de que não gostámos, então dificilmente podemos ser um modelo de como ela pode aprender a manter a sua.

Se a criança bateu noutra criança, podemos tentar perceber o que gerou a frustração e dar exemplos à criança de como poderia conseguir o que queria sem precisar de bater. Sem grandes explicações porque as crianças aprendem mais por ver do que com as palavras, podemos encontrar formas de exemplificar o comportamento que ela poderia ter tido nos casos em que isso é possível. Nestes casos também pode ser importante dar atenção à outra criança e ver como se está a sentir. Se percebemos que a outra ficou sentida é importante dar-lhe espaço para expressar isso e para mostrar o que sente mas, ao mesmo tempo, sem que a que bateu se sinta mal por tê-lo feito. Podemos também aproveitar para explicar as consequências mostrando a quem bateu que o outro ficou triste ou sentido mas sempre sem um tom demasiado crítico para o que agrediu, mostrando também ao que ficou mais sentido que a criança que lhe bateu não o fez por não gostar dele mas apenas por não saber lidar com a situação de outro modo. Mas, na verdade, ao mostrarmos preocupação e empatia com o sofrimento da outra criança já estamos a servir de modelo para a forma como gostaríamos que o nosso filho agisse nestas ocasiões, por isso nem serão precisas grandes explicações.

Nos casos em que os pais da outra criança estão presentes e ficam também sentidos com a situação, também pode ser importante falar com eles e mostrar alguma compreensão mas sem deixarmos que isso nos influencie demasiado na forma de lidarmos com os nossos filhos.

Por último é importante percebermos que não é preciso eliminar as frustrações da vida das crianças mas apenas estarmos presentes e termos paciência para as ensinar a lidar com elas da melhor forma. E saber que é fundamental sermos capazes de confiar nos nossos filhos e no seu desenvolvimento, acreditando na sua natureza e sabendo que o nosso papel é orientar mas também dar espaço para que ela possa desenvolver-se com confiança e harmonia. 


segunda-feira, 4 de abril de 2016

Entrevista TSF - Pais e Filhos sobre a entrada na escola

Há umas semanas fui entrevistada para o programa Pais e Filhos, da TSF, sobre as crianças e a entrada na escola. Deixo aqui o link para quem quiser ouvir a entrevista, a partir dos 11 minutos.

http://www.tsf.pt/programa/tsf-pais-e-filhos/emissao/03-abril-2016-5107342.html

E aqui uma parte mais pequenina da entrevista:

http://www.tsf.pt/programa/tsf-pais-e-filhos/emissao/05-04-2016-5109500.html