terça-feira, 15 de abril de 2014

Comportamentos de risco


We advocate a precautionary principle regarding caregiving practices. If we take to heart our evolved caregiving practices and the evidence we have thus far, then we must reframe some current childrearing practices as “risky”, such as formula feeding, sleeping in isolation, institutional daycare, “crying-it-out”, lack of skin-to-skin contact and parenting in isolation. 

Darcia Narvaez, Jaak Panksepp, Allan Schore, Tracy Gleason (2013) - Evolution, Early Experience and Human Development

Este parágrafo foi retirado das conclusões de um livro onde, vários autores com diferentes perspectivas, falam daquilo a que chamam o Ambiente de Adaptabilidade Evolutiva (AAE). Este ambiente é aquele em que a espécie humana evoluiu e se desenvolveu ao longo de milhares de anos, é o ambiente que encontramos ainda nas sociedades tradicionais e existem também algumas semelhanças deste ambiente com aquele que podemos observar nos mamíferos, principalmente os primatas, que vivem em liberdade. Este ambiente de adaptabilidade evolutiva é o ambiente para o qual estamos programados para viver, é o ambiente que esperamos encontrar quando nascemos e é o ambiente em que mais facilmente um bebé humano se adapta e onde encontra tudo aquilo de que necessita para viver e crescer de forma saudável e equilibrada. Os editores deste livro juntaram assim artigos de vários autores que, com base nos estudos mais recentes do desenvolvimento infantil, da neurociência e até da antropologia, demonstram que o ambiente em que hoje - nas sociedades ocidentais - criamos as nossas crianças é muito diferente deste ambiente de adaptabilidade evolutiva que seria desejável recriarmos. E, como demonstram cada vez mais estas investigações o facto de nos estarmos a afastar cada vez mais deste ambiente comporta riscos que podem ter consequências bastante negativas, como mostram também os números cada vez maiores de perturbações psicológicas que encontramos tanto nos adultos como nas crianças hoje em dia.
Uma das bases para o conteúdo deste livro e destas pesquisas é o facto de todas as crianças nascerem com uma necessidade fundamental de estabelecerem vínculos, de estabelecerem uma relação de apego com a(s) pessoa(s) que cuida(m) de si. Já explorámos aqui a importância deste vínculo. 

Estas são as principais diferenças que encontramos na sociedade de hoje em dia, quando comparada com as sociedades tradicionais em que estava presente o Ambiente de Adaptabilidade Evolutiva:

·    Contacto da criança com a mãe nos primeiros tempos de vida – o que se observa nas
sociedades tradicionais, tal como acontece nos primatas, é que – pelo menos durante o primeiro ano de vida – o contacto do bebé com a mãe é muito frequente. Nestas sociedades os bebés passam a esmagadora maioria do seu tempo na presença da mãe. Ao longo do segundo ano, em algumas sociedades, a mãe pode começar a afastar-se um pouco mais deixando a criança ao cuidado de outras pessoas mas ainda continua a ser a presença mais frequente e regular no dia da criança. A partir do terceiro ano de vida, muitas vezes, esse tempo em que a mãe não está tão perto pode começar a aumentar um pouco mas nunca de forma a que uma mãe passe dias inteiros sem ver os filhos, como frequentemente acontece nas nossas sociedades em que as mães passam facilmente 8, 9, 10 ou até mais horas do seu dia sem ver os filhos.
  • O contacto pele com pele logo após o nascimento - nestas sociedades, geralmente, a criança é posta em contacto com o peito da mãe imediatamente depois do nascimento. Este contacto pele com pele sabe-se que pode ser muito importante para promover a libertação de hormonas que têm um papel fundamental no estabelecimento do vínculo quer da parte da mãe quer da parte da criança e também um papel essencial para o estabelecimento da amamentação por parte de ambos. Muitas das dificuldades que acontecem hoje no campo da amamentação podem ter origem justamente no facto deste contacto ser tantas vezes interrompido por procedimentos desnecessários e que não teriam lugar no AAE. Estas interrupções podem fazer com que o instinto de procurar naturalmente a mama, que todos os bebés têm, seja mais dificilmente despoletado levando ao surgimento de dificuldades que podem persistir sobretudo durante os primeiros tempos da amamentação.  
·       Esta presença da mãe traduz-se num contacto físico quase constante durante o primeiro ano de vida, com recurso a porta-bebés tradicionais e à cama compartilhada. A partir do momento em que a criança começa a andar este contacto físico pode diminuir um pouco mas os porta-bebés continuam a ser usados com frequência sempre que a criança precisa de ser transportada e o sono continua, geralmente, a ser feito na mesma cama ou no mesmo espaço em que se encontram a mãe e o pai durante os primeiros anos de vida de cada criança.
  
·       A presença da mãe também se traduz em períodos de amamentação muito mais prolongados do que aqueles que estamos habituados a ver hoje em dia, nas sociedades ocidentais. As investigações mostram que, de acordo com a nossa fisiologia e, a partir do que se conhece
da observação de sociedades tradicionais e de outros primatas, a idade natural do desmame deveria ocorrer entre os dois e os sete anos de idade. Alguns autores sugerem um período um pouco mais limitado entre os dois e meio e os cinco anos de idade mas, a verdade é que, de acordo com vários aspectos, não há nenhuma evidência de que um desmame forçado antes dos dois anos de idade possa trazer algum tipo de vantagem do ponto de vista da adaptação fisiológica ou psicológica da criança. Na verdade tudo indica o contrário: que as crianças nascem biologicamente preparadas para mamar, pelo menos, até aos dois anos de idade e que, por isso mesmo, é um risco para a sua saúde física e mental que não lhes seja permitido fazê-lo. A amamentação continua ter muita importância na saúde da criança e a ser um importante veículo para toda uma série de nutrientes que são essenciais para o crescimento mas também permite à criança receber uma série de anti-corpos que são também muito importantes visto que o seu sistema imunitário ainda está em formação até cerca dos seis anos de idade. Do ponto de vista emocional a amamentação também tem um papel importante de fazer com que a criança se sinta ligada e próxima da mãe e, quando a privamos dessa ligação essencial, sem que ela esteja pronta para a deixar por si mesma, é muito provável que isso tenha implicações negativas do ponto de vista do vínculo entre a mãe e a criança. 
Por outro lado, a amamentação prolongada – ou natural - para além dos benefícios que traz à criança do ponto de vista da saúde física e emocional traz ainda um benefício acrescido que é o prolongamento natural do período de amenorreia na mãe, o que contribui para um maior espaçamento entre os filhos, garantindo assim que a mãe tem tempo e disponibilidade para tratar das necessidades de proximidade com um filho antes de vir o próximo.

·       A cama partilhada – nestas sociedades, bem como em todas as espécies de mamíferos, as crias dormem perto dos pais até terem maturidade suficiente para dormir sozinhas. Nas sociedades ocidentais - com os novos hábitos de consumo e um certo desafogo económico, bem como a diminuição do número de filhos - que nos permitem ter um quarto separado para as crianças, levaram a que nos habituássemos a ver bebés e crianças pequenas a dormirem em camas e quartos separados dos pais. Mas, ao contrário do que pensamos, isto não tem nada de natural e alguns autores já questionam se será de facto saudável, sendo que, já há algumas estatísticas que comprovam que o facto dos bebés dormirem sozinhos podem aumentar significativamente o risco de morte súbita. A partilha da cama com o bebé ou criança, para além de ser uma boa forma de preencher as suas necessidades de contacto físico, também contribui muito para o sucesso e facilitação da amamentação.
  
·    Presença de múltiplos cuidadores – apesar de a mãe ter um papel de destaque nas sociedades tradicionais e no AAE, a verdade é que esta não vivia de forma tão isolada como hoje acontece. Os seres humanos não estão programados para o tipo de isolamento que acontece hoje nas nossas sociedades e isso pode ter consequências graves para o estado de espirito das mães e para a sua capacidade de cuidar dos filhos. Uma mãe que passa o dia inteiro sozinha com o filho bebé em casa, tendo apenas a companhia do marido aos fins de semana e ao final do dia, não é um quadro natural e pode muito facilmente levar a sentimentos de isolamento, de tristeza, de incapacidade e de grande cansaço. Nas sociedades tradicionais as pessoas vivem de forma mais comunitária por isso há sempre uma irmã, uma mãe, uma tia, uma vizinha para cuidar da criança alguns minutos enquanto a mãe descansa ou faz qualquer outra coisa. Estes pequenos intervalos ao longo do dia que a mãe pode ir fazendo no seu papel de cuidadora principal são importantes para que possa descansar sem que, para isso, precise de passar muito tempo longe dos filhos. Por outro lado, para a criança, esta diversidade de cuidadores também lhe permite estar muito mais exposta a todo o tipo de estímulos e - visto que a mãe nunca está longe e funciona como uma base segura e estável de apoio - ela pode ir criando vínculos com várias pessoas diferentes o que também poderá ser muito enriquecedor para o seu crescimento.

·    Presença de várias crianças de idades diferentes – nestas sociedades é comum que as crianças brinquem juntas em grupos de crianças de várias idades diferentes o que também pode ter um papel importante no seu desenvolvimento. Nestes grupos, o facto de estarem presentes crianças mais velhas também permite que as brincadeiras decorram de forma mais livre e com menos intervenções dos adultos. 

·    Resposta rápida ao choro – neste tipo de contexto o choro das crianças é, geralmente, rapidamente atendido. Porque nestas sociedades este choro é valorizado, ao contrário do que muitas vezes é divulgado hoje em dia, nestas sociedades, sabe-se que, se a criança chora é porque algo não está bem. E, resolver esse algo -principalmente em sociedades onde a mortalidade infantil é muito mais elevada que na nossa- é importante e pode mesmo ser vital para a sobrevivência da criança, por isso nunca passaria pela cabeça de uma mulher tribal deixar o filho a chorar sem que tentasse fazer algo para perceber e resolver esse choro.

Então que lições devemos retirar daqui?

O mais importante disto é percebermos que, hoje em dia, proporcionamos aos nossos filhos um ambiente que não é muito natural e que isso pode ter consequências. De acordo com estes estudos e observações e também de acordo com tudo o que se vai cada vez mais descobrindo no campo das neurociências e da psicologia do desenvolvimento a verdade é que deixar crianças pequenas e bebés em escolas, aos cuidados de estranhos durante todo o dia, retirar-lhes a mama quando ainda são bebés, passeá-los em contentores de plástico e deixá-los a dormir sozinhos, em quartos separados dos pais e ignorar o seu choro, podem mesmo ser considerados, tal como diz a citação acima, comportamentos de risco. Isto quer dizer que podem ter consequências graves. Não significa que terão necessariamente consequências negativas mas que há uma grande probabilidade de isso acontecer. Significa também que quanto mais comportamentos destes adoptarmos maior será o risco que estamos a correr, logo, maiores serão as probabilidades de que as consequências negativas apareçam. E essas consequências podem ir desde a criação de uma criança mais insegura que dará origem a um adulto com uma maior propensão para estados de ansiedade e depressão e maior dificuldade em lidar com o stress até ao aparecimento de patologias mais graves. Ou pode simplesmente significar que, como adultos, teremos de nos esforçar mais para nos conseguirmos sentir bem e para sermos capazes de auto-regular as nossas emoções. Esta foi a conclusão de um estudo* inovador, publicado este ano, que acompanhou 54 sujeitos, desde os 18 meses até aos 22 anos de idade e que demonstrou que um apego inseguro pode ter consequências vísiveis ao nível neuronal fazendo com que os adultos que cresceram com uma relação de apego insegura com os seus pais, se tenham tornado em adultos com uma maior dificuldade em gerir e regular as suas emoções. Este estudo observou que, nos casos das crianças que cresceram com um apego inseguro com as suas mães, aos 22 anos, quanto tentavam auto-regular as suas emoções mostravam uma maior actividade em determinadas zonas do cérebro envolvidas no controlo cognitivo ao mesmo tempo que mostravam uma actividade reduzida noutras partes ligadas às emoções. Os autores concluem que, nestes casos, estas pessoas não tinham desenvolvido uma forma eficaz de regular as suas emoções o que significava que tinham de se esforçar significativamente mais do que aquelas que tinham um apego seguro para serem capazes de passar de um estado negativo para um positivo. Ao mesmo tempo, as pessoas que tinham crescido com esse apego inseguro, tinham também uma maior dificuldade em sentir afectos positivos e acabavam por se tornar adultos com maior dificuldade em se sentirem psicologicamente ajustados. Era como se estas pessoas nunca tivessem tido oportunidade de criar no seu cérebro uma forma eficaz de lidar com as emoções negativas, de as transformar e integrar e, ao mesmo tempo, como se também nunca tivessem aprendido a integrar verdadeiramente as positivas. Hoje sabe-se que a única forma que as crianças têm de aprender a regular as suas emoções é através do contacto próximo com a mãe e com o pai. Na verdade é como se o sistema nervoso da criança, enquanto é ainda muito imaturo, precisasse de aprender com o sistema nervoso dos pais quais os caminhos certos para lidar com as emoções. Mas esta aprendizagem só se dá se houver alguma proximidade da criança com os pais e um apego seguro entre eles. Se os pais deixarem a criança entregue a si mesma e às suas emoções então o seu sistema nervoso não tem possibilidade de encontrar o melhor caminho para fazer esta auto-regulação e, ao que tudo indica, os caminhos que acaba por encontrar não serão os melhores para fazer esse trabalho.

Qual é a relevância deste estudo relativamente a estas práticas?

             Todas estas alterações ao AAE põem justamente em risco a nossa capacidade de estabelecer um apego seguro com os nossos filhos. E, como demonstram já vários estudos, ao porem em risco essa capacidade de estabelecermos um vínculo seguro que represente uma base estável para o crescimento dos nossos filhos, acabamos por por em risco também as suas probabilidades de crescerem como adultos felizes, capazes de se sentirem bem e de lidarem da melhor forma com todos os desafios e dificuldades da vida.


* Christina Moutsiana, Pasco Fearon, Lynne Murray, Peter Cooper, Ian Goodyer,

Tom Johnstone, and Sarah Halligan (2014) - Making an effort to feel positive: insecure attachment in infancy predicts the neural underpinnings of emotion regulation in adulthood. The Journal of child Psychology and Psychiatry 

terça-feira, 8 de abril de 2014

Porque quero educar o meu filho como vegan


Quando o meu filho nasceu muitas pessoas nos perguntaram se íamos impor as nossas escolhas alimentares à criança, com uma certa entoação de crítica, como se estivéssemos a forçá-lo a entrar em alguma seita maluca, estranha e vagamente suspeita ainda que não saibam bem de quê. A essas pessoas respondi sempre que, todas elas sem excepção, impuseram as suas escolhas aos filhos, tal como os meus pais me impuseram a mim e tal como é suposto fazermos normalmente com todas as nossas opções e valores que, naturalmente, vamos procurando transmitir à descendência. Ao que estas pessoas me respondiam  que era uma situação muito diferente porque as nossas opções, como pais, estariam a condenar o meu filho – pobre criança inocente – a uma vida inteira de diferença e exclusão que dificultariam muito o
seu convívio com as demais crianças. Ao que poderia responder que, nesse caso, o erro estava do lado da sociedade ou de quem o rejeitasse e não em nós ou nele. Mas, a verdade, é que este é um dos receios que toma conta de muitos pais de crianças vegetarianas ou vegans, principalmente quando chega a altura de irem para a escola. Em relação a este receio que, devo confessar, também me surgiu algumas vezes, aquilo que tenho a descobrir com o meu filho é que não tem grande razão de ser. Porque, como em tantas outras coisas, o mais importante é a base de confiança que criamos com os nossos filhos e que eles criam connosco. E, quando essa confiança existe, as crianças sentem-se seguras de si e das suas escolhas, mesmo quando sabem que são diferentes das dos outros. Já em diversas ocasiões, como festas de aniversário, por exemplo, o meu filho me mostrou que sabe que o que nós comemos é diferente daquilo que a maioria das pessoas come e isto para ele é tão tranquilo como saber que algumas pessoas gostam mais azul e outras de cor de rosa. Porque ainda o achamos pequeno para explicar aquilo que está por trás destas escolhas, por enquanto, limitamos-nos a dizer que algumas coisas não são vegans e que só comemos as que são e isto para ele é tão pacífico como explicar que os adultos bebem vinho e café, por exemplo, e as crianças não. Quando as crianças confiam nos pais e se sentem seguras do amor destes não precisam tanto de se sentir iguais ás outras, porque a identificação mais importante que precisam de criar, nestes primeiros anos de vida, é com os pais mesmo e não com as outras crianças. E, na verdade, sermos vegans até ajuda a criar uma identidade distinta, uma atmosfera de pertença e contribui para construção dessa identidade de família que é importante e essencial na construção da identidade individual. Claro que chegará a altura em que essa identidade de família não será suficiente, chegará a altura em que haverá uma necessidade do meu filho, como acontece com todos os outros, criar a sua identidade própria mas, antes de o fazer, ao explorar novas possibilidades é natural que tenha alguma tendência para se afastar dessa identidade da família, principalmente na adolescência. E, nessa altura, não me surpreende nada que tenha necessidade de se aventurar noutros mundos e quem sabe até de experimentar comer coisas que nunca tinha comido. Quando essa altura chegar a única coisa que poderemos fazer é continuar a dar-lhe a nossa aceitação incondicional e perceber que, todos os adolescentes passam por fases em que é natural questionarem as escolhas da família. Mesmo assim, espero que sejamos capazes de lhe transmitir que, mais do que uma escolha alimentar, o veganismo é uma forma de encarar a vida que passa por um valor fundamental: o respeito por todas as formas de vida e a crença fundamental de que os animais têm de ser tratados com o mesmo respeito que tratamos as pessoas, nem mais nem memos, o mesmo respeito com que tratamos as pessoas, sim.

É por isto que quero que o meu filho cresça como vegan, porque quero que, para ele, esse respeito seja uma realidade e não apenas um conceito vago, confuso e contraditório como foi na minha cabeça durante tantos anos. Porque todos os pais ensinam os filhos a gostar dos animais, porque todos os pais gostam que os filhos tratem bem os animais, porque todos os pais têm dificuldade em explicar aos filhos que o que têm nos pratos já foi um animal, um ser com sentimentos, emoções e tão merecedor da vida como qualquer um de nós. Porque todas as crianças têm uma altura em que percebem essa contradição e a única forma de viverem com ela é fecharem uma parte de si, fecharem a parte de si que sabe que todos os seres são dignos de amor e respeito, fecharem a parte de si que sabe que não é certo causar dor e sofrimento apenas para a nossa conveniência. Porque qualquer criança sofre quando vê um animal a ser mal tratado, todos conhecemos histórias de crianças que se recusaram a comer um coelho ou uma galinha que viram ser morta por algúem. Porque as crianças nascem com essa capacidade de sentir empatia, com essa vontade de não causar sofrimento. Mas, com o tempo e com a nossa ajuda e os nossos argumentos vão percebendo que não podem dar-se ao luxo de manter essa empatia, porque senão não poderiam comer animais todos os dias. Vão começando a perceber que não podem ouvir essa parte de si, porque nós as convencemos que ela não está certa, que não é de fiar, que não podem dar-lhe ouvidos. Como alguém disse num vídeo que vi no youtube, todos gostamos de crianças que gostam dos animais e ficamos muito comovidos quando elas os defendem - como no vídeo do menimo brasileiro que não queria comer polvo, que correu o mundo, foi visto por mais de três milhões de pessoas e até acabou por ser entrevistado no programa da Helen Degeneres (ver aqui o vídeo) - mas achamos todos um bocado suspeito um adulto que tenha a mesma atitude. Porque, nós adultos, a maior parte das vezes, já silenciámos esse nosso lado sensível, preocupado, empático.
Então, eu não quero que o meu filho seja obrigado a perder esse lado criança, não quero que ele passe a encarar uma vaca como menos digna que um cão, ou um porco como menos sensível que um gato. Não quero que ele perca essa sua natureza fundamental, que é a de todos nós, de respeitar, admirar e proteger a vida, em todas as suas formas. Porque quando essas partes de nós se fecham não sabemos que mais é que seremos obrigados a fechar. Porque acredito que o respeito pela vida é o caminho para vivermos em paz com os animais mas também com os humanos, com a natureza, com o planeta. Porque uma criança que cresce a respeitar os animais também respeitará as pessoas. Porque uma criança que cresce sentindo valorizado o seu respeito pelos animais também se aprende a respeitar a si mesma.
E, sim tenho noção de que ser diferente nem sempre é fácil. Mas também tenho noção de que não sermos fieis a nós mesmos e à nossa natureza é ainda mais difícil. E também tenho noção de que a aceitação mais importante ele encontra primeiro em casa, com o pai e com a mãe e depois consigo mesmo, crescendo num ambiente de aceitação, de acolhimento e de respeito. Respeito que, muita gente nos pergunta, não implica deixá-lo comer carne um dia quando quiser? Implica deixá-lo comer o que quiser, sim, quando quiser. Mas apenas quando tiver maturidade suficiente para saber o que isso implica. Porque o nosso caminho não tem a ver com proibições ou imposições, como tanta gente julga, mas tem tudo a ver com consciência e respeito. E, para podermos respeitar as escolhas dos outros, temos que saber que, antes de mais nada, eles as fazem com consciência e não porque apenas decidiram fazer o que toda a gente faz. Não posso respeitar uma escolha que é fruto do conformismo e de queremos apenas fazer o que todos fazem porque essa não é uma verdadeira escolha. Uma verdadeira escolha implica ter noção das consequências dos nossos actos, consequências que uma criança de 2, 3 ou 4 anos ainda não tem noção para compreender. E não sei quando terá. Depende de cada criança e depende de cada pai ou mãe, só o tempo o dirá. Também não deixamos os nossos filhos beber alcoól antes de termos a certeza que compreendem o que isso implica, porque é que isto haverá de ser assim tão diferente? Só porque mexe com as tais partes de nós, que todos temos, que sabem que, no fundo a nossa escolha nunca existiu, limitámos- nos a fazer o que todos os outros faziam e a silenciar o nosso lado empático e capaz de ver o sofrimento que as nossas não escolhas provocam. 
Porque, como disse Paul McCartney, se os matadouros tivessem paredes de vidro, todos seríamos vegetarianos.

E, para quem duvida desta frase fica um desafio: deixo aqui o link de um documentário que pode ajudar a mudar consciências, o Earthlings, veja-o até ao final. Só conhecendo tudo aquilo que está envolvido nas nossas escolhas e as suas consequências é que podemos afirmar que realmente escolhemos em liberdade. Ver aqui o filme