terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Primeiro princípio: a preparação para o parto, gravidez e parentalidade

Este é o segundo vídeo sobre os oito princípios da Parentalidade com Apego, tal como foram formulados pela organização Attachment Parenting International. Este fala do primeiro princípio que defende que deve haver sempre uma preparação para o parto, para a gravidez e para a parentalidade.


sábado, 14 de dezembro de 2013

Desculpas


Duas crianças, com cerca de dois anos e meio, brincam no parque infantil com alguns brinquedos espalhados no chão. Brincam lado a lado porque, nestas idades, as crianças ainda não têm a capacidade de interagir e cooperar de forma a que se possa dizer que estão verdadeiramente a brincar em conjunto. Estas crianças estão entretidas no seu mundo, brincando e comunicando ao seu modo até que uma delas decide bater com um carrinho de madeira na cabeça da outra que desata a correr para o pé da sua mãe a chorar.
Pode ter sido apenas para ver como reagiria o outro, para ver se o carrinho faria algum som a bater na cabeça do rapaz, para saber se se partiria ou porque estava realmente chateado com alguma coisa que se tivesse passado entretanto. O que é certo, é que as crianças, por vezes, fazem estas coisas e não o fazem  por maldade, porque, nesta idade ainda nem têm bem a capacidade de perceber o que isso é ou a capacidade de perceber bem o sofrimento do outro. Mas, neste caso, o pai do rapaz que bateu que apenas viu o outro menino sair a correr para o colo da mãe que lhe explicou que o seu filho lhe tinha batido com o carro na cabeça, pega no filho pelo braço e leva-o para o pé do outro que chorava dizendo com voz grave e autoritária: “pede desculpa ao Pedro, vá pede desculpa!” A criança não tinha vontade nenhuma de pedir desculpa, até porque nem percebia muito bem o porquê daquele alarido todo, mas o pai insiste: “Não vês o Pedro a chorar? Diz desculpa ao Pedro, vá! Estou à espera que peças desculpa!” Perante esta insistência, o coitado lá repete, esta palavra que o pai tanto quer que ele diga, em voz baixa, com um ar entre o assustado pela reacção do pai e pela confusão toda que se gerou de repente e o envergonhado pela atitude do pai e das restantes pessoas que olham para si como se, de repente, tivesse passado de coisa mais fofa ao diabo em figura de gente. Mas o pai ainda não ficou satisfeito com estas desculpas repetidas em voz baixa e pouco segura e continua ainda a insistir: “Isso assim não é nada, ninguém ouviu! Pede desculpa outra vez ao Pedro como deve ser, em voz alta!” A criança agressora lá repete a tal palavra ao agredido – agora num tom mais alto mas com um ar ainda mais humilhado - que não parece muito interessado em ouvi-lo, até porque já não lhe dói a cabeça e já está confortável no colo da sua mãe e, entretanto ficou também meio baralhado com aquela confusão toda. O pai, continuando a pegar na criança pelo braço e um pouco mais aliviado com o pedido de desculpas do filho, pede também desculpa à mãe do Pedro e leva-o para longe dali aproveitando o caminho para lhe dizer que não volte a fazer isso e que se bate em mais algum menino não volta a trazê-lo ao parque tão cedo.
Não assisti a esta cena mas já vi outras parecidas várias vezes. E fico sempre a pensar: o que é a criança aprende com este pedido de desculpas? Nada. Rigorosamente nada de útil ou positivo. O pai desta cena a única coisa que fez foi fazer com que a criança se sentisse envergonhada e humilhada sem sequer chegar a perceber bem porquê. Esta criança sentiu-se humilhada pela atitude do pai que lhe mostrou que fez algo de muito grave, de muito errado e que a colocou no centro de todas as atenções, ao mesmo tempo que a forçava a repetir uma palavra que ela nem percebia muito bem para que servia ou o que queria dizer. Porque desculpa é apenas uma palavra, não serve de nada para que a criança perceba as consequências dos seus actos. Depois desta espécie de humilhação pública em que todo o parque olhava para a criança à espera do tal pedido de desculpas a única coisa que o pai lhe disse é que não se podia bater e que, se o fizesse, deixaria de o trazer ao parque, transmitindo-lhe mais uma vez essa ideia ou sensação de que fizera algo de muito grave, de tão feio que o pai nem queria voltar a ser visto com ele em público novamente se esse comportamento fosse repetido. Esta atitude só traz à criança uma sensação de vergonha que é dos sentimentos mais nocivos que podem existir. Uma criança envergonhada, humilhada, é uma criança que sente que deixou de ser digna do amor dos pais e este é um sentimento muito corrosivo para uma criança pequena que precisa deste amor e que usa os seus pais como um espelho. As crianças aprendem quem são através daquilo que veêm reflecido nos pais. Uma criança que vê constantemente reflectido no olhar dos seus pais este sentimento de desaprovação de incompreensão é uma criança que se passa a ver de uma forma muito negativa. Se os pais veêm os seus comportamentos como um mal que precisa de ser controlado a criança passa a acreditar também que existe essa mal dentro de si e isso poderá ser muito prejudicial para o seu desenvolvimento, para a sua auto-estima e para a sua confiança em si mesma.
Então, nestes casos, qual seria a melhor forma de lidar com uma situação destas? Seria muito mais adequado se o pai tentasse mostrar à criança as consequências das suas acções sem a fazer sentir-se humilhada, sem a fazer sentir-se desajustada, sem a fazer sentir que existe algo de errado consigo. Porque na realidade, uma criança pequena que bate não o faz por maldade mas sim por incompreensão, incompreensão das consequências desse acto e do sofrimento que pode provocar nos outros. Então o pai poderia ter falado com ele, mostrado como o outro menino ficou triste e magoado, aproveitando para ajudar a criança a compreender as consequências dos seus actos. Poderia também explicar que não gosta de o ver bater nas outras crianças,  mas fazendo isto a partir de um lugar, dentro de si, que sabe que a criança não  o fez por mal, a partir desse lugar que ama o seu filho acima de tudo e que é capaz de o ver como um ser integralmente bom mas que, por vezes, faz coisas erradas.
Porque os nossos filhos aprendem a ver-se a si mesmos através do nosso olhar. A imagem que temos deles é exactamente a imagem que eles irão formar de si mesmos. Então é muito importante sermos capazes de lhes transmitir uma imagem positiva mesmo nas situações que gostaríamos de corrigir. É fundamental sermos capazes de transmitir aos nossos filhos este amor incondicional porque é através dele que eles aprenderão a amar-se a si próprios. Isto não quer dizer que precisamos de ter uma atitude passiva perante todos os comportamentos deles mas quer dizer que é muito importante sermos capazes de corrigir os comportamentos sem sentir que precisamos de castigar a criança. É muito importante olharmos para a criança como alguém que, por vezes, pode precisar de ser direccionado, pode precisar de alguém que lhe mostre alguns limites ou outros caminhos a seguir mas não podemos olhar para ela como alguém que tem uma natureza má e que precisa de ser controlada. Porque se for esta a imagem que temos deles será esta a imagem que eles construirão de si próprios. Então podemos aprender a corrigir ou a direccionar sem castigar, sem julgar. Precisamos de aprender a corrigir mantendo presente o amor que temos por eles. Porque os momentos em que erramos são justamente aqueles em que mais precisamos de nos sentir amados e aceites. Só assim estaremos verdadeiramente disponíveis para reflectir sobre esse erro e aceitar que errámos. 
Na verdade este pai, ao forçar o filho a pedir desculpas desta forma, provavelmente fê-lo porque se sentiu ele próprio envergonhado com o comportamento do filho, preocupado com o julgamento dos outros, com medo que os outros pais ou mães presentes pensassem que o seu filho era má pessoa ou que ele não o sabia educar. Então é preciso também estarmos sempre conscientes das escolhas que fazemos quando escolhemos educar os nossos filhos neste tipo de situações e é muito importante perguntarmo-nos sempre se agiriamos exactamente da mesma forma caso estivéssemos sozinhos e sem mais ninguém a ver.
Porque os nossos filhos precisam mesmo de saber que os amamos seja em que circustâncias for. E precisam de ver reflectido nos nossos olhos, através de nós e da forma como interagimos com eles que são seres humanos bons, capazes, competentes e dignos de ser amados mesmo quando cometem erros. 

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Parentalidade com Apego - Oito princípios básicos

Uma descrição da importância da Parentalidade com Apego e dos oito princípios que estão na base desta abordagem, tal como foram formulados pela organização Attachment Parenting International, dedicada a defender e divulgar os benefícios desta forma de educar e de nos relacionarmos com os filhos. 




terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Ser Mãe com Consciência


Uma conversa este fim de semana, em que alguém criticava o facto de uma colega de trabalho na Alemanha ser obrigada a trabalhar em part-time porque não podia pagar o preço altissímo de uma creche a tempo inteiro para a filha pequena - e em que eu defendi que o ideal seria que todas as mães ou pais de filhos pequenos pudessem trabalhar apenas em part-time, enquanto a outra pessoa discordava - deixou-me a pensar num dos princípios básicos da parentalidade com apego: o  princípio que defende que deve existir sempre uma preparação para a gravidez, para o nascimento e para a parentalidade. Fiquei a pensar bastante nesta questão e decidi escrever sobre ela porque chego à conclusão que, uma coisa que parece tão simples, na verdade acaba por ser até bastante negligenciada.

            
Em relação à gravidez hoje em dia já existem muitas observações e investigações que comprovam que os estados emocionais da mãe afectam o bebé, bem como tudo aquilo que come ou que ingere. Isto
não quer dizer que precisamos de passar uma gravidez sem o mínimo de stress ou de ansiedade mas quer dizer que precisamos de ser capazes de criar um ambiente adequado para aquela criança que, durante nove meses, precisará do nosso corpo para crescer e, por outro lado, precisamos também de ser capazes de cuidar do nosso corpo que estará a ser submetido a um esforço extra e que, por isso mesmo, também precisará de um pouco mais de atenção. Então isto quer dizer que devemos esforçar-nos por nos alimentar o melhor possível, por fazer algum exercício adequado ao nosso estado e por tentar viver da forma mais harmoniosa possível o que, mais uma vez, não implica eliminarmos todo o stress da nossa vida mas sim sermos capazes de lidar da melhor forma com os desafios que vão surgindo e encontrarmos um tempo adequado para nos nutrirmos e restabelecermos sempre que sentirmos que passámos um pouco dos nossos limites.
            Em relação ao nascimento também é muito importante encontrarmos forma de fazer com que este seja o mais harmonioso possível tanto para a mãe como para o bebé. Isto quer dizer que devemos tentar encontrar as condições necessárias para que este momento tão importante possa ser vivido da melhor forma o que, na nossa sociedade nem sempre acontece. Infelizmente o parto ainda é visto, muitas vezes, como um acto médico em que a mulher tem de estar numa posição passiva e em que os médicos têm toda a responsabilidade e todo o poder de decidir como é que as coisas se irão passar. É importante que haja aqui uma mudança de mentalidades, que deixemos de ver mulher que vai dar à luz como alguém que tem de se sujeitar aos procedimentos médicos sejam eles quais forem para passarmos a ver essa mulher como alguém capaz, competente, que conhece o seu corpo melhor do que ninguém e que tem um instinto que faz parte da espécie e que pode guiar e facilitar todo o trabalho de parto desde que lhe seja dada oportunidade de o seguir e de entrar em contacto com ele. É essencial também reconhecermos o recém-nascido com alguém com direitos e necessidades e respeitar a sua necessidade de contacto imediato com a mãe bem como o seu direito de não ser submetido a intervenções desnecessárias. Acredito que mudar a forma violenta como tantas vezes os bebés são recebidos neste mundo é um primeiro passo para tratarmos de facto todas as crianças com mais respeito e com a empatia que merecem e de que precisam para poderem crescer de forma harmoniosa e saudável.
            Em relação à parentalidade precisamos também de nos preparar a sério e de forma cuidada para esse acontecimento único e que mudará de uma forma irrevogável a nossa vida. Esta preparação não tem nada a haver com os cursos de preparação para o parto ou com a leitura dos vários livros que se encontram no mercado, ou com a consulta dos vários blogs e sites disponíveis na internet que tantas vezes os futuros pais ou mães consultam avidamente. Estes podem dar algumas dicas e informações relevantes mas a maior preparação de todas, a mais importante e a talvez a única que precisamos realmente de fazer é a de olhar para dentro de nós: olhar para dentro e perguntar-nos se queremos mesmo ter um filho e porque quereremos mesmo ter um filho. Muitas vezes esta questão nunca é verdadeiramente feita. Por vezes tem-se um filho apenas porque o companheiro ou companheira querem muito, ou simplesmente porque é o que toda a gente faz. E ter um filho é a decisão mais importante da nossa vida, é aquela que mudará todo o nosso futuro e aquela com que nunca poderemos voltar atrás.
       Já ouvi algumas mães dizerem que estavam ansiosas por voltar ao trabalho depois dos filhos nascerem, outras dizem que mal podem esperar pela primeira noite com os avós para voltarem a sair à noite com os amigos ou a ir à discoteca. A verdade é que uma mãe para quem o trabalho é o mais importante ou uma mãe que não está preparada para deixar certos aspectos da sua vida quando um filho nasce não deveria ter filhos. Pelo menos não deveria ter filhos naquele momento da sua vida. Por vezes deixamos-nos levar pela ideia de que o relógio biológico não pára e de que não podemos esperar até tarde para ter filhos mas, a verdade, é que os nossos filhos irão agradecer se esperarmos até termos viajado tudo o que queríamos viajar, ou se esperarmos até á altura em que a nossa carreira já esteja mais segura para a podermos por de  de parte durante algum tempo, ou até à altura em que a conta bancária já nos permita trabalhar menos. Não vale a pena ter filhos se não estivermos preparados para abdicar de muitas coisas por eles. E abdicar de muitas coisas não significa que iremos deixar de ter uma vida. Significa que, durante alguns anos, teremos prioridades diferentes, o que não quer dizer que não devemos cultivar outros interesses e outras actividades: antes pelo contrário, é fundamental preservarmos a nossa identidade e mantermos algumas actividades de que gostamos mas, sabendo sempre, que a nossa prioridade durante os primeiros anos de vida dos nossos filhos deverá ser acompanhá-los, vê-los crescer, dar-lhes tempo a eles e a nós também para estabelecer um vínculo profundo e seguro que os acompanhará a vida toda. Se não estamos prontas para isso, se achamos que esta dedicação não nos trará nenhum tipo de satisfação e que a realização que tiraremos disso não se compara à que podemos obter no trabalho, então devermos questionar-nos se queremos realmente ser mães. Porque nem todas as mulheres têm de se sentir realizadas como mães mas todas as mães se deveriam sentir realizadas com os filhos.

Algumas mulheres que já são mães, podem ficar com medo de olhar para dentro e chegar à conclusão que afinal talvez não devessem ter tido um filho na altura da vida em que tiveram. E este pensamento pode ser assustador por várias razões: porque nos pode fazer sentir culpadas, egoístas, irresponsáveis e porque, na verdade, já não há nada que se possa fazer. Mas, na verdade, há muito que se pode e deve fazer, sim. Em primeiro lugar é preciso acolher esses sentimentos, arranjar espaço para deixá-los existir em vez de os negarmos e tentarmos esconder dentro de nós. Depois é preciso olhar bem para eles e termos alguma compaixão por nós mesmas. Perceber que não faz mal ter esses sentimentos, que eles não nos vão tornar piores pessoas ou piores mães. Pensar que fizemos o melhor que sabíamos com o conhecimento que tínhamos na altura. Porque o que nos pode tornar piores mães é não sermos capazes de lidar e de aceitar os nossos sentimentos. Há muitas mães que passam uma vida inteira a fugir destes sentimentos e acabam por culpar os filhos, de forma inconsciente, por tudo o que acham que perderam na vida quando decidiram tê-los. E esta culpa que se vai cultivando dia após dia, mesmo que muito subtilmente,   é o pior veneno que pode haver numa relação. E é também um dos piores sentimentos com que uma criança pode crescer: a sensação de que não devia estar ali naquela família, de que não pertence aquela mãe ou aqueles pais.

Então, se realmente chegarmos à conclusão que não decidimos ter um filho de forma tão consciente quanto gostaríamos o que podemos fazer é simplesmente aceitá-lo, reconhecê-lo. Essa aceitação pode permitir-nos olhar para a criança que gerámos, talvez pela primeira vez, com um olhar totalmente livre e disponível para a acolher. Porque só podemos acolher verdadeiramente os nossos filhos depois de nos acolhermos a nós. E então podemos perceber que esta relação, apesar de tudo, pode sempre ser reparada. Nunca é tarde demais para construirmos uma relação mais próxima com os nossos filhos. E é essa proximidade, uma proximidade verdadeira que pode ajudar-nos a curar as feridas que existiam e que levámos tanto tempo a reconhecer e aceitar. Através dessa proximidade podemos perceber que a relação com os nossos filhos pode ser uma das melhores formas de sararmos as nossas feridas. Podemos perceber que o amor que sentimos por eles e o prazer de os vermos crescer e de estarmos verdadeiramente presentes nessa relação é muito superior a tudo aquilo que pensamos que podemos ter perdido quando decidimos tê-los. Se o permitirmos, se dermos uma oportunidade a nós mesmas, podemos perceber que essa relação pode ser mesmo a maior fonte de gratificação e de realização que temos ao nosso dispor. Basta querermos. Basta estarmos prontas para olharmos para dentro de nós primeiro, para podermos encontrar os nossos filhos depois.