segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Amamentação - Alimentar com Amor


Ultimamente tenho lido alguns textos de pessoas que dizem que não amamentaram por opção, ou que o fizeram muito pouco tempo por outros constrangimentos e que se sentem muito criticadas e incompreendidas na sua escolha.  Por um lado, é verdade que, enquanto sociedade, cada vez estamos mais conscientes dos benefícios da amamentação, por outro também tenho a certeza de que são as mães que dão de mamar por mais tempo (até os filhos terem, 2, 3, 4 ou 6 anos) que são as mais criticadas e não aquelas que apenas dão de mamar durante pouco tempo uma vez que estas ainda são a maioria, como as estatísticas mostram. Na verdade quando o meu filho tinha apenas 7 ou 8  meses já havia muitas pessoas espantadas por saberem que ainda mamava. Penso que, apesar de estarmos cada vez mais conscientes dos benefícios da amamentação nos bebés ainda precisamos de consciencializar muito mais as pessoas para a importância de manter este vínculo e esta forma de alimentação durante os primeiros anos de vida das crianças.

Nestes textos estas mães diziam que tinham o direito de escolher não amamentar (fosse por não quererem mesmo ou porque tinham tido uma má experiência nos primeiros tempos) e que a sociedade não lhes reconhecia esse direito. Na verdade, tal como o vejo, não se trata de uma questão de direitos. Se assim fosse o bebé também teria o direito de receber esse alimento único, essencial e insubstituível (por muito que as companhias de leite artificial nos queiram fazer pensar o contrário) pelo menos durante o seu primeiro ano de vida, se não durante os primeiros dois ou até decidir que não o quer mais. E, neste caso, de quem são os direitos mais importantes? Da mãe, adulta e racional que pode fazer as suas escolhas, ou do bebé, pequeno, indefeso e totalmente dependente dos adultos para tudo aquilo de que necessita para sobreviver. Para além da importância fundamental do leite materno para nutrir o bebé do ponto de vista físico e para a formação do seu sistema imunitário o bebé também tem o direito de ter o contacto íntimo, próximo e tão importante que a amamentação pode proporcionar. Os bebés alimentados a biberão não serão menos amados é verdade mas também não têm a experiência insubstituível de sentirem a sua pele contra a pele da mãe enquanto se alimentam, de sentir os batimentos do seu coração, de tocarem na sua pele de receberem um alimento fabricado especialmente para si com todo o amor e carinho que, juntamente com os nutrientes, transmite hormonas que são segregadas pela mãe e acabam por fluir no leite, mesmo que em quantidades mínimas mas suficientes para terem algum efeito na fisiologia do bebé. Porque o amor da mãe, ao sentir-se em contacto com o filho, provoca um aumento de oxitocina e de endorfinas que o bebé acaba por receber também através do leite - estas são hormonas responsáveis por uma sensação de bem-estar, de tranquilidade, se amor e de prazer. Será que os bebés que são alimentados a biberão não têm o direito de receber também o amor das suas mães desta forma? Será que os fabricantes de leite artificial conseguem sintetizar o amor nas suas fórmulas científícas?

            Mas, na verdade, esta não é mesmo uma questão de direitos: porque se o fosse os do bebé teriam, inquestionavelmente, de se sobrepor aos da mãe. Trata-se de nos perguntarmos porque é que um animal mamífero – que é o que somos – se negaria a fazer algo que faz parte do comportamento natural e instintivo para a sua espécie. Se tivéssemos uma gata ou cadela – animais que vivem connosco e que podemos observar de perto mais facilmente – que tivesse acabado de ter uma ninhada e se recusasse a dar-lhes de mamar não iríamos pensar que aquela mãe teria esse direito e estava a fazer uma escolha mas ficaríamos preocupados por não apresentar um comportamento tão esperado, natural e essencial para a sobrevivência das suas crias. Tentaríamos perceber o que é que poderia tê-la levado a ter esse comportamento e o que é que se passaria de errado na sua cabeça para não seguir o instinto.

Pois é isso que penso quando alguém me diz que não quis dar de mamar, ou que optou por deixar de o fazer muito cedo quando ainda tinha leite: o que se terá passado com aquela mãe, mulher, mamífera para não querer alimentar a sua cria da forma mais saudável, natural e instintiva? Penso que poderão existir vários motivos para que tal aconteça. No caso das mães que deram durante algum tempo e pararam por terem surgido complicações muitas vezes são a pressão social, a falta de apoio e de confiança no próprio corpo e no seu leite que as fazem parar. Porque na verdade ainda fazemos parte de uma geração em que muitas de nós não chegaram a ser amamentadas, porque houve um tempo em que o marketing das companhias de leite artificial foi tão forte e em que os médicos estavam tão deslumbrados com a ciência que julgavam que podia fabricar um alimento ainda mais perfeito que o natural que muitas mulheres foram encorajadas a alimentar os filhos com leite em pó à mais pequena contrariedade. E hoje em dia, ainda há muitas mães que são encorajadas a fazê-lo assim que amamentar se torna mais difícil: ou por causa de mamilos doridos e gretados ou por causa de mastites, ou porque os filhos choram muito. Tenho ouvido muitas mães dizerem que tiveram muita pena de terem que parar de amamentar ou porque pensavam que o leite delas já não chegava ou porque tiveram alguma complicação de saúde.

O mito do leite fraco é talvez dos mais nocivos e um dos que mais leva as pessoas a darem biberão. É um mito porque não existe tal coisa, o nosso corpo na sua sabedoria vai buscar todos os nutrientes para fazer o melhor alimento que o bebé pode receber. Mesmo no caso de mães doentes ou mal nutridas o seu corpo continua a ser capaz de produzir um leite de muito melhor qualidade do que qualquer fórmula artificial. Um dos efeitos importantes do leite materno que nenhum leite artificial consegue imitar é o reforço do sistema imunitário dos bebés que está em formação e muito incompleto durante os primeiros dois anos de vida: tem sido observado e comprovado que os bebés que mamam adoecem menos e recuperam muito mais depressa do que os que não o fazem porque recebem no leite os anticorpos produzidos pelo sistema imunitário das mães.

As complicações de saúde porque muitas mães passam também podem levá-las a desistir e a quererem acreditar que o leite artificial é tão bom como o seu. Conheço mães que deixaram de amamentar, aconselhadas pelos médicos, por terem tido mastites quando este é um problema que se resolve e que pode perfeitamente ser ultrapassado sendo que o facto do bebé mamar até pode ajudar a resolvê-lo, visto que o leite tem mesmo que ser esvaziado e o bebé consegue fazê-lo de forma mais eficiente que qualquer bomba do mercado.

Mas, se é triste o facto de muitas mães quererem amamentar e não serem capazes de o fazer por muito tempo devido à falta de apoios ou aos maus conselhos dos profissionais de saúde, parece-me ainda mais triste o facto de algumas mães dizerem que não amamentaram mais porque não quiseram, pura e simplesmente.

A amamentação não tem que ser um mar de rosas para toda a gente. Se muitas mães dizem que adoram amamentar e que este é um momento muito especial e belo para si, também há outras que o vêem apenas como algo que fazem porque querem o melhor para os seus filhos. E, tanto um como outro, são comportamentos naturais. O que não é natural é alguém não querer ter um comportamento que sempre foi essencial para a sobrevivência da espécie – sim, porque um bebé que não mamasse, até há algumas décadas atrás, era um bebé que teria muito menos probabilidades de sobreviver - e instintivo. A vida actual muitas vezes distancia-nos do nosso corpo. Vivemos muitas vezes num plano demasiado racional e esquecemos-nos de ouvir os instintos, de sentir o corpo. Amamentar um bebé traz-nos de volta ao corpo. Sentirmos o nosso bebé em contacto com o nosso corpo, a alimentar-se de uma forma tão íntima de um alimento que é produzido por nós, pode despertar emoções muito poderosas. E, a verdade é que essas emoções  - para alguém que vive desligado do seu corpo – podem ser assustadoras de tão intensas que se tornam. Porque as emoções são sempre vividas e sentidas no corpo, então a amamentação chama-nos à terra, ao corpo, às emoções e, por vezes, temos medo de o fazer. A gravidez e a maternidade, sobretudo nos primeiros tempos, são períodos muito emocionais em que nos lembramos que além de sermos pessoas também somos animais, em que sentimos a força da natureza em nós e amamentar lembra-nos disso.

Por estarmos mais em contacto com o corpo e com as emoções de uma forma mais pura e profunda também ficamos mais vulneráveis: esta é uma altura em que, por vezes, vêm ao de cima muitos medos antigos, muitas feridas mal curadas. É uma altura em que podem surgir até recordações de infância que nem sabíamos que tínhamos e, se houver feridas por sarar no nosso passado, esta é uma altura em que é mais provável que venham ao de cima. Fazemos parte de uma geração em que muitas de nós não foram amamentadas, por muito bem intencionadas que tenham sido as nossas mães ao fazê-lo e por muito boas mães que tenham sido é natural que isto tenha deixado em nós algumas feridas, alguns pontos dolorosos do nosso passado. E, mesmo que nos tenham dado de mamar e que tenhamos tido pais bem intencionados é muito possível e provável que haja algumas feridas que nunca foram curadas e que ficaram guardadas sem nos darmos conta. E é natural que não nos apeteça tocar nelas, sobretudo quando – através de um racionalismo excessivo – as conseguimos manter à distância toda a nossa vida.

Mas, a verdade é que seremos melhores mães quanto mais disponibilidade tivermos para olhar para essas feridas. Enquanto não formos capazes de as aceitar e de as integrar no nosso presente não poderemos resolver o passado e, enquanto não o fizermos não poderemos estar totalmente em contato com os nossos sentimentos. E, desta forma, não poderemos também estar plenamente em contato com os dos nossos filhos. Os bebés quando nascem só conseguem relacionar-se um ponto de vista emocional. Durante o primeiro ano de vida é sobretudo o lado direito do cérebro – ligado ao processmamento das emoções e ao comportamento não verbal – que está activo e em desenvolvimento. Isto significa que os bebés só sabem relacionar-se com o mundo através das emoções. E só podemos relacionar-nos com as emoções dos nossos filhos se aceitarmos as nossas. Amamentar é estar em contacto com o bebé, connosco e com todas as emoções que podem surgir boas ou más. Assim mais do que perder tempo com quem tem direito a quê o que é preciso perceber, reconhecer e aceitar é que, uma mãe que não quer amamentar é uma mulher que foi ferida e que não quer reconhecer e voltar a sentir essa ferida. Quando somos crianças não temos como nos defender de muitas coisas que magoam, por isso guardamos dentro de nós, bem escondido aquilo com que não somos capazes de lidar. Os nossos filhos podem ser uma forma fantástica de nos fazer voltar a entrar em contacto com essas feridas que foram guardadas e com as quais podemos mais facilmente aprender a lidar agora que somos adultas. E os nossos filhos merecem que, pelo menos, tentemos fazê-lo. Merecem que pelo menos estejamos dispostas a tentar e entrar em contacto com todas as partes de nós. Porque só se o fizermos é que podemos ter oportunidade de quebrar o ciclo e de não lhes deixar feridas que também eles terão de guardar em alguma parte de si.

Laura Sanches 

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