sábado, 28 de setembro de 2013

Lidar com a Zanga das crianças


            A Zanga nos adultos

            Uma das tarefas que costuma ser mais desafiadora para a maioria dos pais é a de lidar com a zanga dos seus filhos. Não é fácil aprendermos a lidar com esta emoção - que é tão saudável e imprescindível como qualquer outra – nos nossos filhos porque, a maioria das vezes, também não sabemos como lidar com ela em nós mesmos.
            A zanga é uma emoção que desperta muitas reacções fisiológicas. Quando nos zangamos despoletamos a chamada resposta de Luta ou Fuga, uma reacção fisiológica que prepara o organismo para lidar com uma potencial ameaça que pode ser real ou simplesmente imaginada. (Ler artigo para saber mais sobre esta resposta) Porque o nosso organismo não distingue entre as ameaças reais à nossa integridade física, e aquelas que são apenas imaginadas despoleta-se a mesma reacção em ambos os casos.
            A zanga pode despertar sensações muito fortes em nós e, porque nem sempre gostamos dessas sensações, acabamos por não querer lidar com esta emoção. Existem estudos que mostram que tanto a repressão da zanga como a sua expressão descontrolada podem ser igualmente prejudiciais à saúde e quando recorremos com frequência a estes mecanismo podemos acabar por ter uma maior tendência para desenvolver algumas doenças crónicas.
Durante algum tempo foram populares algumas correntes terapêuticas que defendiam que a forma mais saudável de expressar a zanga era deixá-la sair livremente. Nestas sessões os clientes eram mesmo incentivados a dar pontapés e murros em almofadas como forma de ventilarem a sua zanga porque se acreditava que esta emoção funcionava como uma espécie de panela de pressão que, quando não se destapava, criava uma pressão cada vez maior até explodir e, o facto dessa pressão se ir acumulando, prejudicava gravemente a saúde. Hoje em dia, há estudos que mostram que realmente reprimir a zanga pode ter consequências graves na saúde de quem o faz mas também se sabe que o facto de a expressarmos desta forma intensa e quase descontrolada tem exactamente os mesmos efeitos. Isto acontece porque uma expressão expressão violenta e intempestiva da zanga faz com que acabemos por nos sentir mais zangados. Na verdade, este tipo de comportamento explosivo, é também ele uma fuga das verdadeiras sensações que a zanga provoca porque enquanto a pessoa está a dar murros na mesa ou pontapés na porta ou a gritar com quem está á sua frente, não está voltada para si, para o seu corpo, para as sensações e emoções que ocorrem dentro de si. Então, tal como as pessoas que reprimem a zanga porque não são capazes de enfrentar as emoções e sensações que esta desperta as pessoas que explodem e que a expressam com gritos e murros também estão simplesmente a voltar toda a sua atenção para o exterior para não terem de entrar verdadeiramente em contacto com o seu corpo e com as suas emoções. Porque não são capazes de lidar com o que estas lhes transmitem sobre si mesmas.

            É muito importante sabermos reconhecer a nossa zanga porque ela dá-nos informações importantes acerca de nós e de como nos sentimos na vida. Um dos benefícios da zanga é a sensação de poder que ela nos pode dar, a sensação de que somos capazes de enfrentar os desafios e de que temos força para enfrentar as ameaças. Mas, para beneficiarmos deste poder é necessário que, em primeiro lugar, sejamos capazes de reconhecer a zanga e as sensações que esta desperta.
 Gabor Maté, um médico que escreveu o livro When the Body Says No, defende que muitas doenças crónicas têm a sua origem justamente no facto de não sermos capazes de identificar as nossas emoções, nomeadamente a zanga. Segundo este médico, Para além da sensação de poder a zanga também nos dá algumas informações importantes: mostra-nos, por exemplo, que determinada situação pode ser prejudicial para nós e, se não a escutarmos, acabaremos por não ser capazes de nos defender e de sair dessa situação; se isto se prolongar muito no tempo, o nosso organismo acabará por sofrer as consequências. Uma vez que todas as nossas emoções despertam determinadas reacções fisiológicas, Gabor Maté diz que, o nosso corpo nos vai dando pequenos sinais através das sensações que vão surgindo, nas várias situações porque passamos. Quando não escutamos os sinais que o corpo nos dá, então ele precisa de arranjar sinais cada vez maiores e mais difíceis de ignorar e assim surgem muitas vezes doenças crónicas e graves que nos obrigam finalmente a parar e a ouvir o corpo, se quisermos ser capazes de as ultrapassar.
            Marshal Rosenberg, psicólogo que desenvolveu e divulga a Comunicação Não Violenta, explica que a zanga é sempre uma expressão trágica de uma necessidade. Isto quer dizer que, sempre nos zangamos fazêmo-lo porque alguma necessidade nossa não está a ser preenchida. Então é essencial entrarmos em contacto com essa necessidade e percebermos de que forma poderemos honrá-la e respeitá-la. Mas isto implica um grau de abertura e de confiança no nosso corpo e na nossa experiência que nem sempre conseguimos ter justamente porque, a maior parte das vezes, não fomos ensinados a fazê-lo enquanto éramos crianças e estávamos a aprender a lidar com o mundo e com as emoções.

 
A Zanga nos nossos filhos                                                                                    

            Quando vemos uma criança zangada a maioria dos pais o que tenta fazer é simplesmente ignorar ou distrair a criança daquilo que ela está a sentir e, infelizmente, não são muito frequentes as vezes que vemos um pai ou mãe a valorizar a zanga do seu filho e dar-lhe espaço e tempo para a expressar da melhor forma possível.

Quando comecei este artigo pensava em escrever sobre as birras das  crianças de que tanto se fala e que tanto preocupam os pais. Depois percebi que não gosto da palavra birra mas ainda não tinha pensado porquê. Porque birra implica algo de negativo por parte de quem a faz, dizer que alguém faz uma birra é não lhe reconhecer o direito de estar zangado, ou frustrado ou triste. Quando dizemos que um adulto fez birra fazêmo-lo sempre com um sentido pejorativo referindo-nos a um comportamento que não nos pareceu adequado. Quando dizemos que um adulto fez uma birra está implícita a mensagem de que aquela pessoa não soube lidar com a situação e com as emoções que esta lhe provocou. Então porque é que dizemos que as crianças fazem birra quando estão apenas zangadas, cansadas, frustradas ou tristes? Nunca gostei de dizer que o meu filho fazia birras porque sempre senti que ao fazê-lo estava, de certo modo, a negar-lhe o direito de estar zangado, chateado, frustrado, etc. A verdade é que temos alguma dificuldade em reconhecer que as crianças podem ter estes sentimentos e acabamos por ter alguma necessidade de os desvalorizar dizendo simplesmente que fizeram uma birra, palavra que desvaloriza totalmente as emoções que estão por trás daquele comportamento espalhafatoso e explosivo que as crianças tantas vezes apresentam. E depois preocupamo-nos com estratégias para minimizar ao máximo a ocorrência desse comportamento. Queremos perceber qual é a melhor forma de o eliminar, de fazer com que nunca mais aconteça e qual é a melhor forma de fazer com dure o mínimo de tempo possível sempre que acontecer. Porque, mais do que prejudicar a criança, este tipo de comportamento prejudica a nossa imagem de adultos responsáveis, racionais, pais capazes e competentes que mantém tudo sobre controlo e que têm filhos que lhes obedecem na perfeição. E também porque, acima de tudo, ver este tipo de emoção nos nossos filhos desperta em nós muitas sensações difíceis e desconfortáveis com as quais não sabemos o que fazer e como lidar.

            Uma criança pequena ainda não tem grande capacidade de processar as suas emoções. Durante os primeiros dois anos de vida o hemisfério cerebral mais activo e desenvolvido é o direito, que está mais ligado ás emoções e às sensações corporais. Isto quer dizer que, pelo menos até aos dois anos, as crianças vivem as emoções em cru, ou seja, não têm a capacidade de as racionalizar, sentem-nas e vivem-nas no imediato e sem qualquer tipo de filtro que possa minimizar a sua intensidade. Só a partir dos três anos, com o desenvolvimento da linguagem, é que o hemisfério esquerdo passa a ter um maior papel na vida da criança, tornando-a capaz de começar a racionalizar as suas emoções. Com o tempo, se este hemisfério passar a ser predominante, é até bem possível que passe a existir um distanciamento tão grande das emoções e do corpo que se torna muito difícil voltarmos a entrar em contacto com ele. Mas, isto não não acontece de um dia para o outro e só é verdadeiramente possível na idade adulta ou no final da adolescência altura em que as nossas ligações neuronais se começam a tornar mais estáveis e difíceis de modificar.

            Os dois anos – o descobrir do mundo e das emoções

            Os ingleses usam muitas vezes a expressão terrible twos para se referirem à idade dos dois anos porque é muitas vezes nesta idade que começam os maiores desafios. Porque nesta idade a criança já tem mobilidade suficiente para mexer em tudo o que a rodeia, já se habituou a ter algum poder de acção sobre o seu meio ambiente, já percebeu que é capaz de fazer muitas coisas que antes não podia fazer e também já teve algum tempo para desenvolver algumas preferências sobre o que quer fazer, que nem sempre correspodem às preferências dos pais ou dos adultos que as rodeiam. E, porque nesta idade a criança ainda vive com as suas emoções muito à flor da pele e porque ainda não tem um domínio da linguagem que lhe permita expressar facilmente as suas necessidades e frustrações, acaba por ser uma idade em que é muito fácil que surjam episódios explosivos e comportamentos mais difíceis de controlar por parte dos pais.

        Formas de lidar com a Zanga das crianças 

            Então, quando os nossos filhos se zangam, é fundamental percebermos que necessidades é que, naquele momento, não estão a ser preenchidas. Aqui é importante sabermos distinguir necessidades de vontades. Por exemplo, o facto da criança se zangar porque naquele momento tinha vontade de ver mais uma hora de televisão e os pais não deixaram não significa que existe uma necessidade real da criança ver televisão. Então, neste caso também é importante distinguir se a criança apenas expressa a sua frustração - o que pode fazer chorando e protestando um pouco - ou se fica realmente zangada com uma expressão muito mais intensa e intempestiva que pode incluir espernear, gritar, chorar muito, atirar objectos ou bater (principalmente em crianças mais pequenas). Neste último caso, então precisamos de perceber que essa manifestação mais intensa por parte da criança provavelmente não tem nada a haver com a televisão. A criança pode estar simplesmente a expressar uma outra necessidade, a necessidade de se sentir respeitada e aceite nas suas preferências, por exemplo, a necessidade de se sentir compreendida de e de saber que os pais conhecem os seus gostos, a necessidade de saber que os pais gostam de si e que se preocupam com o seu bem-estar. Então, neste caso, os pais não precisam de responder a essa necessidade mantendo a televisão ligada, mas precisam de mostrar à criança que compreendem e aceitam a sua frustração para que esta se sinta escutada. Isto pode ser feito de várias formas consoante a criança e o comportamento que esta manifestar. Uma criança que ainda não domina bem a linguagem tem mais probabilidade de expressar a sua zanga de uma forma física: gritando, chorando, pontapeando, batendo, esbracejando, etc. Nestes casos pode ser muito importante ter algum contacto físico com a criança, através de um abraço ou pô-la no colo. Para isto é importante que o adulto se mantenha calmo e não veja aquela expressão como um ataque a si ou à sua autoridade. Por vezes a criança não está pronta para ser abraçada ou posta no colo durante os primeiros instantes em que a sua explosão dura, então podemos simplesmente esperar e ficar por perto, demonstrando claramente que estamos disponíveis para quando a criança quiser ser consolada. Nestes casos também não adianta muito tentarmos falar com a criança nos momentos em que ela está mais descontrolada. Podemos deixá-la expressar-se um pouco – desde que não haja perigo de se magoar a si ou a outros é claro – e depois então, quando estiver mais calma, depois de um primeiro contacto físico, podemos expressar o nosso reconhecimento da sua necessidade dizendo qualquer coisa como: eu sei que querias muito ver mais desenhos animados, ou eu compreendo que para ti neste momento era muito importante ficar a ver mais televisão, mas a mãe ou o pai acham que agora é mais importante ires brincar. Podemos também focar-nos no sentimento, eu sei que estás muito zangada, ou eu sei que ficaste muito chateada porque querias ver mais televisão mas a mãe acha que agora é importante fazeres outra coisa. O simples facto da criança sentir que os pais a compreendem e percebem é suficiente para que a necessidade de se sentir aceite e compreendida seja satisfeita e é, geralmente, também suficiente para acabar com a zanga.
            Depois do comportamento explosivo terminar e quando virmos que a criança está realmente calma esta estará numa fase mais receptiva, isto quer dizer que pode ser altura de falarmos da forma como se comportou e de lhe dizermos de que é que não gostámos, se nos parecer necessário. Com uma criança mais velha que disse algumas coisas que não gostámos de ouvir, ou com uma criança pequena que bateu e atirou com coisas, por exemplo, podemos dizer que, apesar de compreendermos a sua zanga e de sabermos que tem todo o direito a expressá-la não gostamos que o faça daquela forma.

            Isto é tão mais fácil de fazer quanto melhor seja a ligação do adulto com a criança. Se a criança sente que costuma ser respeitada e aceite irá muito mais rapidamente deixar-se consolar e aceitará muito mais facilmente as nossas críticas em relação ao seu comportamento e rapidamente estará pronta para começar a fazer outra coisa.
             Se for muito difícil consolar a criança, ou se a sua fúria demora muito tempo a passar, se a criança grita, chora, esperneia por um período muito longo e se sentimos que se torna muito difícil fazer com que a criança deixe aquele comportamento ou largue a sua zanga então é preciso percebermos que este é um sinal de que alguma coisa não está bem com a criança ou na sua relação com os pais. Por vezes acontece simplesmente que a criança está cansada ou tem alguma necessidade biológica que não foi satisfeita: sono, fome, sede. Algumas crianças ficam mais facilmente susceptíveis a estes episódios quando têm fome, outras é o sono que as torna mais facilmente explosivas. Para outras crianças basta uma mudança na rotina para se tornarem mais rabugentas e susceptíveis. É importante estarmos atentos a estes sinais e conhecermos os nossos filhos, principalmente com as crianças mais pequenas que ainda não são capazes de dizer que têm sono, fome ou frio, por exemplo.
            Mas, noutros casos o que pode estar em causa é mesmo o tipo de ligação que a criança tem com os pais. Uma criança que se sente amada, respeitada, escutada e acolhida em todas as suas facetas é muito mais facilmente capaz de lidar com as suas emoções e frustrações sem ficar num estado demasiado descontrolado. Uma criança que chora ou protesta por tudo e por nada durante demasiado tempo e que ninguém consegue consolar é uma criança que está a precisar desesperadamente se se sentir amada, protegida, segura. É uma criança que precisa de se sentir ligada aos seus pais, precisa de se sentir aceite e protegida.

            Muitas vezes defende-se que a melhor forma de lidar com as birras é ignorá-las porque se não o fizermos estaremos a reforçar esse comportamento. Mas uma criança que chora e protesta está a expressar-se da melhor forma que sabe. Se não gostamos da forma como está a fazê-lo é o nosso papel, enquanto pais, mostrar-lhe formas alternativas de lidar com as suas emoções mas nunca ignorá-las. Porque uma criança que faz aquilo a que chamamos birra é uma criança que sofre, é uma criança que está a demonstrar que algo não está bem consigo, que alguma coisa a incomodou, que alguma coisa a fez sentir-se mal e a única forma saudável de lidarmos com essa emoção é reconhecê-la, aceitá-la e dar espaço à criança para que a possa integrar. Não ignoramos os nossos maridos ou mulheres quando se zangam e, se o fizermos, sabemos que só iremos piorar as coisas, então como somos sequer capazes de pensar em fazê-lo com os nossos filhos? !
As crianças não têm capacidade de regular as suas próprias emoções e só vão aprender a fazê-lo através dos adultos: uma criança que chora, aflita com qualquer coisa e a quem os pais pegam ao colo e fazem sentir que está tudo bem, aprende que pode passar daquele estado de tristeza e de aflição para um estado de calma e de tranquilidade. Com muitas repetições deste género começam a cimentar-se no seu cérebro as ligações que lhe permitem ir passando de um estado a outro. Mas, se ninguém a ajudar lidar com as suas emoções, especialmente quando estas são demasiado intensas, a única saída que lhe resta é tentar ignorá-las. E assim, à medida que vai crescendo, vai acabando por se afastar cada vez mais do que sente, do seu corpo e de si mesma. E, quando esta criança crescer e se tornar pai ou mãe terá com certeza dificuldade em lidar com as emoções dos seus filhos que assim também não terão oportunidade de aprender como fazê-lo perpetuando este ciclo que alguém precisa de ter coragem de quebrar.
O outro extremo do comportamento é quando cedemos imediatamente ao que a criança quer para evitarmos a sua expressão de zanga mas esta é igualmente prejudicial porque, mais uma vez, não estamos a permitir-lhe lidar com as suas emoções, com a sua frustração. Estamos a transmitir-lhe a mensagem de que aqueles sentimentos são tão prejudiciais e perigosos que faremos qualquer coisa para não lidar com eles. E, desta forma, a criança vai aprender a ter medo do que sente e também nunca terá oportunidade para aprender a lidar de modo saudável com estas emoções.

Por isso para criarmos adultos saudáveis e equilibrados precisamos de – nós, enquanto pais – não termos medo de reconhecer e de aceitar as nossas próprias emoções. Precisamos de não ter medo de ser vistos como maus pais porque o nosso filho grita ou chora no meio da rua quando queremos que se venha embora do parque, precisamos de aceitar que não podemos controlar tudo, de não ter medo de deixar os nossos filhos expressarem as suas emoções. Mas, para isso, em primeiro lugar, precisamos de ter coragem de enfrentar os nossos medos, as nossas zangas e todas as emoções que sentimos com toda a intensidade que só um filho pode despertar nos seus pais. 

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Amamentação - Alimentar com Amor


Ultimamente tenho lido alguns textos de pessoas que dizem que não amamentaram por opção, ou que o fizeram muito pouco tempo por outros constrangimentos e que se sentem muito criticadas e incompreendidas na sua escolha.  Por um lado, é verdade que, enquanto sociedade, cada vez estamos mais conscientes dos benefícios da amamentação, por outro também tenho a certeza de que são as mães que dão de mamar por mais tempo (até os filhos terem, 2, 3, 4 ou 6 anos) que são as mais criticadas e não aquelas que apenas dão de mamar durante pouco tempo uma vez que estas ainda são a maioria, como as estatísticas mostram. Na verdade quando o meu filho tinha apenas 7 ou 8  meses já havia muitas pessoas espantadas por saberem que ainda mamava. Penso que, apesar de estarmos cada vez mais conscientes dos benefícios da amamentação nos bebés ainda precisamos de consciencializar muito mais as pessoas para a importância de manter este vínculo e esta forma de alimentação durante os primeiros anos de vida das crianças.

Nestes textos estas mães diziam que tinham o direito de escolher não amamentar (fosse por não quererem mesmo ou porque tinham tido uma má experiência nos primeiros tempos) e que a sociedade não lhes reconhecia esse direito. Na verdade, tal como o vejo, não se trata de uma questão de direitos. Se assim fosse o bebé também teria o direito de receber esse alimento único, essencial e insubstituível (por muito que as companhias de leite artificial nos queiram fazer pensar o contrário) pelo menos durante o seu primeiro ano de vida, se não durante os primeiros dois ou até decidir que não o quer mais. E, neste caso, de quem são os direitos mais importantes? Da mãe, adulta e racional que pode fazer as suas escolhas, ou do bebé, pequeno, indefeso e totalmente dependente dos adultos para tudo aquilo de que necessita para sobreviver. Para além da importância fundamental do leite materno para nutrir o bebé do ponto de vista físico e para a formação do seu sistema imunitário o bebé também tem o direito de ter o contacto íntimo, próximo e tão importante que a amamentação pode proporcionar. Os bebés alimentados a biberão não serão menos amados é verdade mas também não têm a experiência insubstituível de sentirem a sua pele contra a pele da mãe enquanto se alimentam, de sentir os batimentos do seu coração, de tocarem na sua pele de receberem um alimento fabricado especialmente para si com todo o amor e carinho que, juntamente com os nutrientes, transmite hormonas que são segregadas pela mãe e acabam por fluir no leite, mesmo que em quantidades mínimas mas suficientes para terem algum efeito na fisiologia do bebé. Porque o amor da mãe, ao sentir-se em contacto com o filho, provoca um aumento de oxitocina e de endorfinas que o bebé acaba por receber também através do leite - estas são hormonas responsáveis por uma sensação de bem-estar, de tranquilidade, se amor e de prazer. Será que os bebés que são alimentados a biberão não têm o direito de receber também o amor das suas mães desta forma? Será que os fabricantes de leite artificial conseguem sintetizar o amor nas suas fórmulas científícas?

            Mas, na verdade, esta não é mesmo uma questão de direitos: porque se o fosse os do bebé teriam, inquestionavelmente, de se sobrepor aos da mãe. Trata-se de nos perguntarmos porque é que um animal mamífero – que é o que somos – se negaria a fazer algo que faz parte do comportamento natural e instintivo para a sua espécie. Se tivéssemos uma gata ou cadela – animais que vivem connosco e que podemos observar de perto mais facilmente – que tivesse acabado de ter uma ninhada e se recusasse a dar-lhes de mamar não iríamos pensar que aquela mãe teria esse direito e estava a fazer uma escolha mas ficaríamos preocupados por não apresentar um comportamento tão esperado, natural e essencial para a sobrevivência das suas crias. Tentaríamos perceber o que é que poderia tê-la levado a ter esse comportamento e o que é que se passaria de errado na sua cabeça para não seguir o instinto.

Pois é isso que penso quando alguém me diz que não quis dar de mamar, ou que optou por deixar de o fazer muito cedo quando ainda tinha leite: o que se terá passado com aquela mãe, mulher, mamífera para não querer alimentar a sua cria da forma mais saudável, natural e instintiva? Penso que poderão existir vários motivos para que tal aconteça. No caso das mães que deram durante algum tempo e pararam por terem surgido complicações muitas vezes são a pressão social, a falta de apoio e de confiança no próprio corpo e no seu leite que as fazem parar. Porque na verdade ainda fazemos parte de uma geração em que muitas de nós não chegaram a ser amamentadas, porque houve um tempo em que o marketing das companhias de leite artificial foi tão forte e em que os médicos estavam tão deslumbrados com a ciência que julgavam que podia fabricar um alimento ainda mais perfeito que o natural que muitas mulheres foram encorajadas a alimentar os filhos com leite em pó à mais pequena contrariedade. E hoje em dia, ainda há muitas mães que são encorajadas a fazê-lo assim que amamentar se torna mais difícil: ou por causa de mamilos doridos e gretados ou por causa de mastites, ou porque os filhos choram muito. Tenho ouvido muitas mães dizerem que tiveram muita pena de terem que parar de amamentar ou porque pensavam que o leite delas já não chegava ou porque tiveram alguma complicação de saúde.

O mito do leite fraco é talvez dos mais nocivos e um dos que mais leva as pessoas a darem biberão. É um mito porque não existe tal coisa, o nosso corpo na sua sabedoria vai buscar todos os nutrientes para fazer o melhor alimento que o bebé pode receber. Mesmo no caso de mães doentes ou mal nutridas o seu corpo continua a ser capaz de produzir um leite de muito melhor qualidade do que qualquer fórmula artificial. Um dos efeitos importantes do leite materno que nenhum leite artificial consegue imitar é o reforço do sistema imunitário dos bebés que está em formação e muito incompleto durante os primeiros dois anos de vida: tem sido observado e comprovado que os bebés que mamam adoecem menos e recuperam muito mais depressa do que os que não o fazem porque recebem no leite os anticorpos produzidos pelo sistema imunitário das mães.

As complicações de saúde porque muitas mães passam também podem levá-las a desistir e a quererem acreditar que o leite artificial é tão bom como o seu. Conheço mães que deixaram de amamentar, aconselhadas pelos médicos, por terem tido mastites quando este é um problema que se resolve e que pode perfeitamente ser ultrapassado sendo que o facto do bebé mamar até pode ajudar a resolvê-lo, visto que o leite tem mesmo que ser esvaziado e o bebé consegue fazê-lo de forma mais eficiente que qualquer bomba do mercado.

Mas, se é triste o facto de muitas mães quererem amamentar e não serem capazes de o fazer por muito tempo devido à falta de apoios ou aos maus conselhos dos profissionais de saúde, parece-me ainda mais triste o facto de algumas mães dizerem que não amamentaram mais porque não quiseram, pura e simplesmente.

A amamentação não tem que ser um mar de rosas para toda a gente. Se muitas mães dizem que adoram amamentar e que este é um momento muito especial e belo para si, também há outras que o vêem apenas como algo que fazem porque querem o melhor para os seus filhos. E, tanto um como outro, são comportamentos naturais. O que não é natural é alguém não querer ter um comportamento que sempre foi essencial para a sobrevivência da espécie – sim, porque um bebé que não mamasse, até há algumas décadas atrás, era um bebé que teria muito menos probabilidades de sobreviver - e instintivo. A vida actual muitas vezes distancia-nos do nosso corpo. Vivemos muitas vezes num plano demasiado racional e esquecemos-nos de ouvir os instintos, de sentir o corpo. Amamentar um bebé traz-nos de volta ao corpo. Sentirmos o nosso bebé em contacto com o nosso corpo, a alimentar-se de uma forma tão íntima de um alimento que é produzido por nós, pode despertar emoções muito poderosas. E, a verdade é que essas emoções  - para alguém que vive desligado do seu corpo – podem ser assustadoras de tão intensas que se tornam. Porque as emoções são sempre vividas e sentidas no corpo, então a amamentação chama-nos à terra, ao corpo, às emoções e, por vezes, temos medo de o fazer. A gravidez e a maternidade, sobretudo nos primeiros tempos, são períodos muito emocionais em que nos lembramos que além de sermos pessoas também somos animais, em que sentimos a força da natureza em nós e amamentar lembra-nos disso.

Por estarmos mais em contacto com o corpo e com as emoções de uma forma mais pura e profunda também ficamos mais vulneráveis: esta é uma altura em que, por vezes, vêm ao de cima muitos medos antigos, muitas feridas mal curadas. É uma altura em que podem surgir até recordações de infância que nem sabíamos que tínhamos e, se houver feridas por sarar no nosso passado, esta é uma altura em que é mais provável que venham ao de cima. Fazemos parte de uma geração em que muitas de nós não foram amamentadas, por muito bem intencionadas que tenham sido as nossas mães ao fazê-lo e por muito boas mães que tenham sido é natural que isto tenha deixado em nós algumas feridas, alguns pontos dolorosos do nosso passado. E, mesmo que nos tenham dado de mamar e que tenhamos tido pais bem intencionados é muito possível e provável que haja algumas feridas que nunca foram curadas e que ficaram guardadas sem nos darmos conta. E é natural que não nos apeteça tocar nelas, sobretudo quando – através de um racionalismo excessivo – as conseguimos manter à distância toda a nossa vida.

Mas, a verdade é que seremos melhores mães quanto mais disponibilidade tivermos para olhar para essas feridas. Enquanto não formos capazes de as aceitar e de as integrar no nosso presente não poderemos resolver o passado e, enquanto não o fizermos não poderemos estar totalmente em contato com os nossos sentimentos. E, desta forma, não poderemos também estar plenamente em contato com os dos nossos filhos. Os bebés quando nascem só conseguem relacionar-se um ponto de vista emocional. Durante o primeiro ano de vida é sobretudo o lado direito do cérebro – ligado ao processmamento das emoções e ao comportamento não verbal – que está activo e em desenvolvimento. Isto significa que os bebés só sabem relacionar-se com o mundo através das emoções. E só podemos relacionar-nos com as emoções dos nossos filhos se aceitarmos as nossas. Amamentar é estar em contacto com o bebé, connosco e com todas as emoções que podem surgir boas ou más. Assim mais do que perder tempo com quem tem direito a quê o que é preciso perceber, reconhecer e aceitar é que, uma mãe que não quer amamentar é uma mulher que foi ferida e que não quer reconhecer e voltar a sentir essa ferida. Quando somos crianças não temos como nos defender de muitas coisas que magoam, por isso guardamos dentro de nós, bem escondido aquilo com que não somos capazes de lidar. Os nossos filhos podem ser uma forma fantástica de nos fazer voltar a entrar em contacto com essas feridas que foram guardadas e com as quais podemos mais facilmente aprender a lidar agora que somos adultas. E os nossos filhos merecem que, pelo menos, tentemos fazê-lo. Merecem que pelo menos estejamos dispostas a tentar e entrar em contacto com todas as partes de nós. Porque só se o fizermos é que podemos ter oportunidade de quebrar o ciclo e de não lhes deixar feridas que também eles terão de guardar em alguma parte de si.

Laura Sanches